Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

quinta-feira, 4 de maio de 2017

DOM QUIXOTE, de Miguel de Cervantes, encenação de Armando Caldas




DOM QUIXOTE, encenação de Armando Caldas, Intervalo Grupo de Teatro

Foi em 2005 que o Intervalo Grupo de Teatro estreou a sua adaptação do Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (1547-1616), cuja primeira parte da famosa obra foi publicada em 1605 e a segunda apenas em 1616. 

Este espectáculo foi então um grande sucesso de público e de crítica estando cerca de um ano em cena (ler magníficos textos, nomeadamente de Maria Helena Serôdio, Maria Elvira Seixo, Francisco Faraldo e Correia da Fonseca, entre outros, na folha de sessão e no respectivo programa, este sempre com muito que ler).

É essa encenação de Armando Caldas, interpretada por Miguel Almeida (Dom Quixote) e Helder Anacleto (Sancho Pança) nos principais papéis, que agora é reposta.

Gostaria muito de conseguir transmitir a quem me lê quanto gostei desta adaptação do Intervalo, que se baseou principalmente no projecto de Orson Welles (1915-1985), que durou uma vida inteira e que ele não chegou infelizmente a concluir, mas de que existem documentos e testemunhos e na peça do nosso António José da Silva (O Judeu) (1705-1739), um dos grandes nomes do nosso teatro, que foi queimado com apenas 34 anos (!) nas fogueiras da santa inquisição.

Gostaria de citar ainda, do cinema, o famoso filme "Don Kikhot" (1957) de um cineasta soviético, Grigori Kozintsev (1905-1973), que nos anos 60 vimos nos cineclubes, onde era exibido, discutido e admirado.

E, obviamente, a obra literária, obra-prima, de que agora ando a ler a tradução (1959) do grande Aquilino Ribeiro (1885-1963), ela própria motivo de grande prazer. De Cervantes diz Aquilino: "o simpático e liberal senhor Miguel Cervantes, tão perto de nós escritores, proletário como nós, plebeu, embora andassem afanosamente à cata dos seus avoengos fidalgos, inconformista como o somos na maioria! Tão igual a Camões em tudo, no génio, no infortúnio, nos aleijões da guerra, na invalidez, que parecem dois filhos gémeos da macaca. Além disso, cheio de ânsia, com os olhos no ideal, louco, fantasiador, desesperado, perigoso, batido por todas as contradições de uma inteligência proteica."

O que Armando Caldas e os magníficos actores do Intervalo nos conseguiram trazer para o palco foi todo um humanismo e a revolta contra as injustiças de que é vítima a maioria dos seres humanos, à mão da minoria de poderosos, por força do dinheiro, da exploração, da opressão. 

É o que Cervantes nos diz através do seu Dom Quixote, num retrato simultaneamente cómico e trágico, de luta permanente, da nossa condição humana, com todas as suas fraquezas e grandezas, mas eternamente revoltada contra o que não é justo. Mesmo que às vezes os lobos nos surjam disfarçados com pele de cordeiro ou que pareçam ao longe meros e inocentes moinhos de vento.

"O sonho comanda a vida", é bem verdade, como afirmou o Poeta, e pouco a pouco tem vindo muitas vezes a tornar-se realidade, ainda que depois surjam novos retrocessos, porque a luta entre os que nada têm, ou têm muito pouco, e os que têm tudo, ou quase tudo, não cessará jamais enquanto a justiça e a igualdade não vencerem. 

O Dom Quixote, de Cervantes, acaba vencido mas a luta dos que sonham com um mundo melhor continuará sempre. Mesmo que alguns de entre nós sejam como Sancho, bons mas crédulos, assustadiços e medrosos, querendo refugiar-se na ideia de que nada pode ser mudado pelos seres humanos, e por isso lhes resta serem interesseiros, só lutando quando nada mais resta a fazer para salvar a pele.

Há nesta dramatização uma dúzia de cenas cheias de força e simbolismo. Entre elas está a que narra o encontro de Dom Quixote com os senhores poderosos, as suas damas e os hipócritas conselheiros e confessores, os representantes religiosos. Desprezam, troçam, desconsideram o cavaleiro andante, Dom Quixote, e o seu escudeiro, Sancho, com a arrogância dos convencidos da sua importância e impunidade. Quem não passou já por isso?

Um dia, porém, "chegará o dia de todas as surpresas".







OS AMANTES CRUCIFICADOS e OS CONTOS DA LUA VAGA, de KENJI MIZOGUCHI

OS AMANTES CRUCIFICADOS (Chikamatsu Monogatari) (1954)


Um dos mais belos filmes do grande mestre nipónico, um dos maiores realizadores da Sétima Arte. 

Como o Amor é perseguido, condenado (mas só se os poderosos não estiverem envolvidos e, mesmo às vezes nesse caso, se não forem homens), nas sociedades onde os mais ricos e as religiões dominam. 
Num Japão feudal, que é olhado sem nenhuma complacência. Com imagens das mais belas que o cinema nos tem dado. 
Tenho pena que os textos publicados no catálogo do ciclo sobre Mizoguchi sejam algo parciais, ignorando a crítica social que existe na obra, e muito forte, mostrando a corrupção e os jogos de poder nessa época, no Japão ou em qualquer outra parte do mundo.







CONTOS DA LUA VAGA (Ugetsu Monogatari) (1953)

De Mizoguchi disse Orson Welles, outro génio, que qualquer elogio que se lhe faça nunca será excessivo. É o que sentimos ao rever estas obras-primas da Sétima Arte.
Contos da Lua Vaga, o mais conhecido dos filmes de Mizoguchi, é de uma beleza insuperável, realista e mágico, num Japão do século XVI. Mas esta magia, é preciso que se diga, tem muito a ver com o sonho, com o desejo de melhores dias, algo muito humano que o mais terra a terra dos seres humanos não desdenha.
E nunca esquecer o argumentista de Mizoguchi, ao longo de grande parte da sua obra, Yoshikata Yoda, um homem progressista, a quem o mestre nipónico muito deve.







 Kenki Mizoguchi

Yoshikata Yoda