Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

sábado, 30 de maio de 2015

LeVINE EM HOLLYWOOD (Hollywood and LeVine)

LEVINE EM HOLLYWOOD (Hollywood and LeVine)




Andrew Bergman, depois também realizador de cinema, publicou esta obra em 1975, um ano depois da demissão de Nixon, o acólito do fascista McCarthy, os da tenebrosa época da caça às bruxas, que ficou conhecida por McCarthismo, o Nixon que chegou a presidente... até ao escândalo de Watergate, o das escutas telefónicas, que provocou a primeira impugnação seguida de demissão (impeachment) de um presidente nos USA. 

Nota: Relembrar que a segunda foi a de Bill Clinton, em que os conservadores conseguiram utilizar o facto de ter vindo a público uma relação sexual (com Monica Lewinsky) em que o presidente se envolveu, com aspectos de escândalo para a opinião pública por se ter passado na Casa Branca (Sala Oval). Dá vontade de rir, mas é verdade!


Na foto, um comício do Partido Comunista em 1939, nos EUA, antes de chegar a grande perseguição anti-comunista dos anos 50, na era mccarthista de contornos perfeitamente fascistas, dominada pelo senador McCarthy e pelo futuro presidente Nixon, e com o grande apoio do director do FBI, J. Edgar Hoover, de quem Clint Eastwood, um cineasta conservador, fez uma biografia, "Edgar", em que de certo modo tenta humanizar a tenebrosa figura de Hoover, tentando justificá-la em parte pela homossexualidade de Hoover, numa visão aliás ultra-conservadora.



Lê-se a alta velocidade, esta obra na esteira dos grandes romances de Raymond Chandler, Dashiell Hammett ou Ross Macdonald. Aliás este último fez um grande elogio a "LeVine em Hollywood", com o qual concordo!

A perseguição ao criminoso agente do FBI, Clarence White, infiltrado nos meios progressistas de Hollywood é feita no carro do grande actor e também um homem de esquerda, Humphrey Bogart, com este ao volante. Ideia brilhante do cinéfilo escritor, Andrew Bergman. E Laureen Bacall não segue com eles porque Bogart não quer pôr em risco a vida da sua amada... 



Na foto Laureen Bacall e Humphrey Bogart numa manifestação de esquerda em 1947, em Hollywood

Dois excertos da obra:

"O novo representante do distrito no Congresso é um puto chamado Nixon - republicano e, por feliz coincidência membro do Comité Para Actividades Anti-Americanas, que é o bando que vai dirigir a investigação. (...) 

Que oportunidade para um político novato, aparecer todas as manhãs nos jornais a perguntar às estrelas de cinema quantos Vermelhos é que conhecem!" (pág. 71) 

"- Comunista de merda! - gritou White. 

O sangue continuava a correr, mas isso não o impediu de disparar um tiro que me zumbiu ao ouvido. Quando ia a disparar outra vez, matei-o.

Não gosto de matar pessoas, mas esta era uma situação em que a ética não estava em causa. Senti-me como um homem das cavernas. Atingi Clarence White com um tiro que estava longe de ser brilhante. A minha ideia era acertar no coração, mas a dor pavorosa no meu ombro esquerdo fez-me desiquilibrar. A mão desviou-se para cima e o tiro apanhou White na maça de Adão, cortando-lhe a traqueia. Largou a arma e levou as mãos à garganta como para estancar o sangue. A morte foi mais rápida. Ouviu-se um estertor nada divertido de ouvir."


Apesar do meio em que foi escrito e o que o autor "podia" escrever, merece uma leitura! Gostei muito!

segunda-feira, 25 de maio de 2015

EPIFANIA CRISTÃ E EPIFANIA MARXISTA



A propósito do ciclo sobre Roberto Rossellini, a decorrer em Lisboa e Porto, nos meses de Abril e Maio de 2015 

GUIDO ARISTARCO, o famoso crítico e estudioso do Cinema, sobre o NEO-REALISMO:




"El neorrealismo cinematográfico italiano fue definido por el teórico italiano como un «fenómeno epifánico», en el sentido de que el cine fue entonces una de las manifestaciones culturales más importantes de Italia que llegó a la esencia de los problemas y que más allá de las apariencias desveló y reconoció las verdaderas causas de la situación política y social. «Una epifanía cristiana en el caso de Rossellini y una epifanía marxista en el caso de Visconti», precisó."



Guido Aristarco, crítico y ensayista italiano de cine, catedrático de Historia y Crítica del Cine de la Universidad de Turín, pronunció el lunes una conferencia sobre el tema Las raíces del neorrealismo en el Instituto Italiano de Cultura.

Vicente A. Pineda, escritor y distribuidor cinematográfico español, presentó a Guido Aristarco como una de las figuras más importantes del cine mundial, y equiparó su labor de crítico e historiador durante medio siglo con los trabajos de Pasinetti, Umberto Barbaro, Sadoul y Luigl Chiarini.

El teórico italiano comenzó por situar la corriente neorrealista italiana en el contexto histórico de la ocupación alemana y liberación del fascismo. «Nosotros discutíamos entonces si la libertad era anterior a la justicia, si la libertad precedía o no a la democracia. Yo soy de los que piensan que antes que nada es la justicia, porque sin justicia no es posible la libertad», dijo el profesor Ariastarco al referirse a su participación, al lado de Visconti, como impulsor del neorrealismo. Visconti fue, según Aristarco, con las películas Obsesión y La tierra tiembla, el cineasta que ofreció mayor resistencia activa al fascismo italiano.



El neorrealismo cinematográfico italiano fue definido por el teórico italiano como un «fenómeno epifánico», en el sentido de que el cine fue entonces una de las manifestaciones culturales más importantes de Italia que llegó a la esencia de los problemas y que más allá de las apariencias desveló y reconoció las verdaderas causas de la situación política y social. «Una epifanía cristiana en el caso de Rossellini y una epifanía marxista en el caso de Visconti», precisó.

«El neorrealismo fue una feliz estación que muere a principios de los cincuenta, no porque falte la libertad, sino porque los hombres que hicieron aquel cine dejaron de creer en la libertad. La libertad se paga y su precio en el cine es muy caro», señaló Aristarco.

http://elpais.com/diario/1981/03/04/cultura/352508415_850215.html


STROMBOLI e VIAGEM A ITÁLIA (I)

PEQUENA NOTA CINÉFILA

Sobre o ciclo Rossellini, principalmente sobre os seus filmes restaurados digitalmente. Falta-me referir duas das obras revistas ultimamente.  São STROMBOLI (1950), filmado entre a comunidade piscatória que vive na base do vulcão e onde se destaca a famosa sequência da pesca do atum e VIAGGIO IN ITALIA (Viagem em Itália) (1954). Não sendo o melhor que fez, valem, em minha opinião um comentário, que farei em breve.


Ambas sob o signo de um vulcão, Stromboli ou Vesúvio. Ambas com a bela e grande actriz Ingrid Bergman, que foi companheira de Rossellini durante alguns anos (na altura destas obras). Relação que os fundamentalistas católicos consideraram escandalosa... atacando por isso o cineasta.

Entretanto Guido Aristarco, um dos mais famosos intelectuais que se debruçaram sobre a Sétima Arte, director da célebre revista CINEMA NUOVO, a propósito do Neo-Realismo, escreveu: «Una epifanía cristiana en el caso de Rossellini y una epifanía marxista en el caso de Visconti».






terça-feira, 19 de maio de 2015

SE EU FOSSE LADRÃO... ROUBAVA




SE EU FOSSE LADRÃO... ROUBAVA (2013), de PAULO ROCHA

É a derradeira e póstuma obra deste grande cineasta (Porto, 22-Dez-1935 - Vila Nova de Gaia, 29-Dez-2012).


O celebrado autor de algumas das grandes obras do Cinema Português, a começar por VERDES ANOS (1963) e MUDAR DE VIDA (1966), realiza neste filme uma obra de memórias, que é em certos aspectos um testamento fílmico, em que utiliza cenas e planos de alguns dos seus filmes. 







O resultado é uma obra nostálgica, bela e às vezes comovente. Provavelmente será ainda mais apreciada pelos que conhecem a sua obra anterior. 


E quando termina a sua projecção fica-se agarrado à cadeira a pensar: será possível que já tenham acabado? O filme, a obra, alguns sonhos, parte considerável da nossa própria vida, por que nos lembramos do que representou para nós a estreia em pleno fascismo de essas suas primeiras duas obras, que eram pedradas no charco, que era a vida cultural nesses tempos de opressão e censura. Mas víamos acima de tudo nessas obras, como nas de outros realizadores que constituíam o chamado Cinema Novo Português, o prenúncio de que a mudança não tardaria em acontecer, fruto de décadas de Resistência e Luta, e que o fascismo seria varrido do nosso País. Especialmente agora, que a política da direita no poder volta a pôr em perigo a nossa vida colectiva e não podemos baixar os braços sob pena de um regresso trágico ao passado, que aliás já se faz sentir em muitos aspectos da vida quotidiana do povo português.

Como todas as obras de memórias, SE EU FOSSE LADRÃO... ROUBAVA, tem muito de pessoal, de aspectos que talvez escapem ao espectador comum. Mas a enorme beleza de muitos planos torna-a uma obra que julgo ninguém deixará de apreciar pela fruição das imagens e dos sons. Como aliás Paulo Rocha conseguiu de outras vezes, até em obras tão ignoradas, e desprezadas, como uma das suas obras-primas, sobre Venceslau de Moraes, o escritor orientalista que viveu no Japão, e que é o belíssimo A ILHA DOS AMORES. 



Por isso, se puderem, não deixem de ver, na mesma sala - o CINEMA IDEAL, as 3 obras citadas. Faltará uma vez mais A ILHA DOS AMORES...

segunda-feira, 18 de maio de 2015

FUTATSUME NO MADO (A QUIETUDE DA ÁGUA)

A QUIETUDE DA ÁGUA, de NAOMI KAWASE


Há filmes assim, que não têm nada de muito complicado, retratam apenas os grandes sentimentos do Homem, mas poeticamente e com imagens de grande beleza. Amamo-los por isso.


É o caso de A QUIETUDE DA ÁGUA (FUTATSUME NO MADO) (Still the Water) da cineasta japonesa Naomi Kawase.
Aprendizagem, crescimento, conhecimento, maturidade, sabedoria, declínio. Amor e Morte. Natureza, Vida e Luta. E os maus sentimentos estão completamente ausentes por uns momentos: às vezes sabe bem...

(esquecer os horríveis Walesas, da sala ao lado, com as suas traições e arrivismos e os seus não menos intragáveis "cantores": Wadja)

Por isso, não esqueçam: A QUIETUDE DA ÁGUA e se puderem não percam!








Hasiken played "The theme of STILL THE WATER" at the premiere in Louxor (Paris, France) Sept 26 2014.This movie was shot at the rehearsal of it. 

PHOENIX





PHOENIX, do cineasta alemão Christian Petzold


Houve quem tivesse passado por razões diversas pelos campos de extermínio nazis e tivesse sobrevivido, a cima de tudo porque a libertação chegou antes de serem assassinados e queimados nos fornos crematórios. Foram para lá levados por terem origens e nacionalidades que os nazis consideravam inferiores - judaica, cigana, etc, ou por se oporem politicamente ao regime nazi-fascista, principalmente por serem comunistas. 

Entre todos esses seres humanos violentados pelo nazi-fascismo houve também quem tivesse sido denunciado por vizinhos, por amigos ou até por familiares. Houve ainda quem tivesse sobrevivido em tais circunstâncias físicas que foi necessário mudar o rosto desfigurado. Christian Petzold criou personagens que passaram por isso.



Foi o primeiro filme que vi deste realizador. E alguns dias depois as imagens permanecem na memória. Julgo que não vou esquece-las e passarão a integrar a minha memória cinéfila.

Mas também lembro a magnífica interpretação da famosa canção de Kurt Weil (com letra de Ogden Nash e julgo que é a obra-prima deste), SPEAK LOW (Fala baixo) pela actriz principal, Nina Hoss, e que finaliza o filme. Relembre-se que esta belíssima canção tem sido interpretada por muitas das divas da Música, do jazz à erudita. Petzold somou-lhe uma carga dramática que sem lhe modificar o sentido lhe acrescentou algo mais através do olhar do espectador.




Uma obra cuja visão se recomenda porque é muito interessante do ponto de vista de cinema, com as transfigurações da personagem. Nesse aspecto fez-me lembrar, apesar de nada terem a ver em termos de argumento, duas obras-primas: VERTIGO, de Alfred Hitchcock e LA PIEL QUE HABITO, de Pedro Almodovar. 

Além disso, tudo o que nos fale dos que conseguiram sobreviver ao holocausto e às perseguições e crimes dos fascistas e dos nazis faz parte de uma memória que devemos manter bem viva para que NUNCA MAIS POSSA ACONTECER! 

Nunca esqueceremos que em Portugal, os apoiantes do nazi-fascismo - Salazar e os seus acólitos, criaram prisões que pouco ficaram a dever ao horror nazi, com o seu projecto de morte lenta, acima de todas a do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde, então um território ocupado e colonizado, libertado após o 25 de Abril de 1974.



ADENDA:


"Speak Low" is a popular 1943 song composed by Kurt Weill, with lyrics by Ogden Nash. It was introduced by Mary Martin and Kenny Baker in a Broadway musical 




EUROPA 51




EUROPA 51, de Roberto Rossellini, de 1952, Leão de Ouro em Veneza

Ingrid Bergman, num dos grandes filmes de Roberto Rossellini, embora esta obra esteja um pouco esquecida (porquê?). Visto no ciclo dedicado ao grande cineasta, no NIMAS, com algumas das suas melhores obras digitalmente recuperadas. 

Irène, casada com um diplomata inglês, segue a vida mundana, fútil e inútil daquele meio grande burguês. Bruscamente toma consciência disso quando o seu filho, um jovem adolescente sensível, julgando-se desprezado pelos pais, se suicida. 

Num período de grande crise, devido à morte do filho único, sentindo-se disso culpada, quer dar sentido à sua vida e, influenciada por um familiar, primo do marido, intelectual marxista, toma consciência da existência de classes sociais muito mais desfavorecidas em quem nem sequer reparava. É nessas visitas aos mais pobres que quer ajudar, que vai a casa de uma prostituta que encontra na rua, Giulietta Masina, magnífica num pequeno papel de início de carreira. 

Mas depressa se depara com existências muito complicadas, que a luta pela sobrevivência torna duras e moralmente muito pouco exemplares. Ao entusiasmo segue-se a desilusão e depois de morar com uma jovem prostituta, mortalmente doente, a quem quer ajudar, mas que acaba por se envolver num crime, a família, considerando-a mentalmente doente, acaba por interná-la com a cumplicidade da igreja católica.

O reconhecimento, por Irène (Ingrid Bergman), uma mulher da alta burguesia, da existência de classes sociais e daquilo que as opõe, é descrito por um cineasta católico, Rossellini, que embora muito crítico do capitalismo e das próprias estruturas da Igreja católica não assume completamente a crítica de um ponto de vista marxista. 

No final da obra, Irène aparecerá como uma "santa" aos olhos dos mais desfavorecidos, embora pouco esclarecidos, e a família autorizará que lhe apliquem todos os tratamentos necessários para a recuperarem para a "sociedade", ainda que a destruindo mentalmente. Mas isso não lhes interessa, nem à Igreja, desde que os fundamentos da sociedade capitalista não sejam postos em causa.

A não perder!








L'AMORE (O AMOR)

RETROSPECTIVA DA PARTE DA OBRA DE ROBERTO ROSSELLINI, QUE FOI RECENTEMENTE DIGITALIZADA

L'AMORE (O AMOR), (de 1948) (nunca exibido comercialmente em Portugal)

Rossellini assume na dedicatória da obra que se trata de uma homenagem a uma das maiores actrizes da Sétima Arte, Anna Magnani.

Obra composta de duas partes. O primeiro episódio baseado num dos mais famosos monólogos escritos para o teatro, A VOZ HUMANA, de Jean Cocteau. O segundo, plasticamente muito belo, escrito em colaboração com Federico Fellini, que aparece também como actor, IL MIRACOLO (O Milagre).


As duas interpretações da actriz em personagens muito diferentes são extraordinárias: a burguesa desesperada por ser desprezada pelo amante que se prepara para a deixar e a mulher do povo, desadaptada, considerada pelos seus conterrâneos como doida, que surge grávida na pequena aldeia onde vive, sem ela própria saber de quem. 






Do esquizofrenismo do primeiro episódio, da personagem e da câmara, para a intensidade de sentimentos, um tanto mística do segundo, que nos toca acima de tudo pela humanidade, mais que pelas relações com a religião e pela controvérsia que originou, quase blasfémia para os puristas, apesar de Rossellini ser católico, o que terá levado ao "esquecimento" desta pequena jóia na obra do realizador...




Existem na minha opinião, algumas semelhanças entre a personagem de Anna Magnani, em O MILAGRE, e algumas das admiráveis personagens femininas fellinianas, que o grande realizador, Federico Fellini, o universalmente maior de todos segundo os seus pares no mais famoso dos inquéritos, em 2012 (SIGHT AND SOUND), haveria que nos dar magistralmente alguns anos depois. A não perder!

LA FORZA E LA RAGIONE (A FORÇA E A RAZÂO)




RETROSPECTIVA DA PARTE DA OBRA DE ROBERTO ROSSELLINI, QUE FOI RECENTEMENTE DIGITALIZADA

LA FORZA E LA RAGIONE (A FORÇA E A RAZÂO)


ENTREVISTA A SALVADOR ALLENDE, FILMADA POR EMIDIO GREGO

Esta entrevista foi feita no início do único mandato de Salvador Allende, que foi brutalmente interrompido pelo golpe de estado fascista de Pinochet, preparado, financiado e comandado pela CIA, em que o Presidente Allende foi assassinado e a que se seguiu uma violenta repressão com muitos mihares de assassinados e desaparecidos, numa paradigmática acção de um governo de direita assim que assume pela força o poder. É um exemplo típico da "democracia made in USA". Foi em 1973.




A entrevista de Rossellini, um cineasta de filiação católica embora progressista, a um presidente marxista, Salvador Allende, é muito clara no entanto devido às respostas do entrevistado, quanto às razões do golpe executado pelos fascistas: interromper a nacionalização das riquezas do Chile, como as minas de cobre, que estavam nas mãos do grande capital estrangeiro, principalmente norte-americano. Em suma o governo da Unidade Popular estava a pôr em causa os grandes interesses económicos estrangeiros e da grande burguesia chilena.

Para que não se esqueça aqui ficam os nomes de alguns responsáveis por este crime contra a Humanidade, que foi o golpe sangrento no Chile, em que Allende, o Presidente eleito pelo povo, foi assassinado: Nixon (presidente), Kissinger (na secretaria de estado para a política externa), Carlucci (CIA)... (pelo menos estes dois últimos, amigos de Mário Soares...)

Não nos esqueçamos que aquele que é um dos maiores Poetas da Literatura Universal, Prémio Nobel, Pablo Neruda, faleceu em circunstâncias nunca totalmente esclarecidas alguns dias depois de Pinochet ter tomado pela violência o poder, avolumando-se até hoje as suspeitas de que, já doente, lhe terem apressado o fim, para chorarem depois lágrimas de crocodilo pelo desaparecimento de uma das maiores figuras da história e cultura, chilenas e universais. 

Só uma nota mais para falar de um caso raríssimo nos tempos que correm:

No final da sessão a que assisti houve quem rompesse com a habitual reserva da sala escura e aplaudisse o filme, no que foi acompanhado por outros espectadores!

ALEMANHA, ANO ZERO




ALEMANHA ANO ZERO


Foi rodado por Roberto Rossellini, em 1947, numa Berlim em escombros, resultantes da guerra em que o regime nazi-fascista de Hitler envolveu o seu povo, na sua ambição de poder e de luta contra os ideais socialistas que a URSS protagonizava, nazi-fascismo gerado e apoiado pelos grandes interesses económicos alemães e não só, num conflito que provocou muitos milhões de mortos por todo o mundo.

Esta obra terrível, história impressionante e trágica de uma criança que vagueia entre os escombros à procura de subsistência para a família e que termina duplamente trágica, com as mortes de pai e filho, consequências ainda da ideologia fascista, continua a impressionar-nos.



É uma obra que faz lembrar nas suas imagens por vezes crepusculares o expressionismo alemão, como aliás referido pelo crítico de cinema Adriano Aprà no final da sessão.

Não é, em minha opinião, o melhor de Rossellini mas não deixa de ser um documento da época a não deixar de ver.

Custa a crer mas estas exibições de "Alemanha Ano Zero" neste ciclo nos cinemas Nimas, em Lisboa, e Campo Alegre, no Porto, constituem uma estreia no nosso País. A obra foi à época proibida pelo regime fascista de Salazar que, não esqueçamos, havia decretado 3 dias de luto nacional a quando da morte de Hitler! 

Testemunho de um cineasta católico, mas progressista, que assinou o admirável "Roma Cidade Aberta" (de 1945). A exibição deste em Lisboa, no grande auditório Gulbenkian, nos finais de 1973, ainda durante o regime fascista mas a poucos meses da madrugada libertadora de 25 de Abril, merece ser lembrada e fá-lo-ei quando o for rever. 

Também a vida do grande cineasta Roberto Rossellini e a suas relações com as várias mulheres da sua vida, incluindo duas das actrizes de que mais gostamos, Anna Magnani e Ingrid Bergman, merece uma citação especial. O que não deixaremos de fazer oportunamente.







ÍNDIA, de Roberto Rossellini




ÍNDIA (1959), de Roberto Rossellini (Roma, 1906-1977)


Quando penso na Índia e na Sétima Arte, no grande país, de enormes contrastes, de diferenças sociais abissais. de grandes avanços tecnológicos, ao mesmo tempo que enormes massas de seres humanos simplesmente tentam sobreviver nos subúrbios das grandes urbes, país com estados administrativos, como Kerala, social e culturalmente progressistas, em oposição a outros, a maioria, em que a exploração dos trabalhadores atinge níveis inconcebíveis mesmo para os padrões do capitalismo, lembro-me acima de tudo de um mestre como Satyajit Ray, e do grande escritor que ele várias vezes adaptou, Rabindranath Tagore e que foi Nobel da Literatura, e da obra-prima de Ray que é a "Trilogia de Apu", mas lembro-me também de Mehboob Khan e o seu admirável "Mother India", e lembro-me até de um cineasta europeu, um mestre também, Jean Renoir que tendo Satyajit Ray então em início de carreira como assistente, realizou outra obra-prima igualmente inesquecível, "The River" (O Rio Sagrado).







Quanto ao documentário "ÍNDIA", belíssimo, de Roberto Rossellini, que eu não conhecia, é como reconhecido pela maioria, suponho, um poema em imagens, uma obra intemporal, em que o cineasta italiano procurou captar a essência duma civilização milenar, em que as relações entre seres humanos e natureza permanecem como fundamentais, com uma grande ligação com a terra e com os seres vivos que nela habitam, ainda que periodicamente a natureza (as monções) seja sujeita a catástrofes, às vezes de uma violência brutal, causando milhares de vítimas. 

Feito com a delicadeza habitual deste grande mestre no retrato das relações humanas ou mesmo, como noutras obras, quando aborda as situações mais complexas que o ser humano atravessa. 




Praticamente cada um dos episódios desta obra, que não é um documentário puro já que há cenas elaboradas por Rossellini, tem um animal como símbolo - o elefante, o tigre, o macaco ou então o próprio Homem, como trabalhador incansável, na construção da gigantesca barragem, em que é a água que é preciso controlar, armazenar e ordenar para servir as populações, num dos episódios mais marcantes da obra, em que o Homem aparece claramente como construtor do seu destino.

Faltou ao humanista referir o aspecto político e a possível comparação, então, depois da derrota dos colonialistas (o Império Britânico), ou agora, mais de meio século passado, entre os que correram com o ocupante mas fazendo uma revolução progressista que transformasse as relações económicas e sociais, para benefício do seu povo, constituído por milhões de habitantes. Foi o caso da China (em 1948) mas não o da Índia (em 1949). E a situação mantém-se, com a miséria praticamente erradicada na China e angustiosamente presente na Índia.

Não esquecer que o império colonial derrotado, fomentando questões regionais e religiosas, tentou dividir os países nascentes - separando a Formosa da China, e o Paquistão da Índia. Foram os últimos crimes dos colonialistas antes de serem corridos daqueles dois grandes países, os mais populosos do Mundo e de enorme potencialidade, principalmente humana, cuja importância no devir da Humanidade ainda está em início.


NOTA: Rossellini esteve em Lisboa, já no final do regime fascista, em 17-Nov-1973, no grande auditório da Gulbenkian, a apresentar a que é considerada a sua grande obra-prima, "Roma Città Aperta" (ROMA, CIDADE ABERTA). Tenho guardados dois documentos sobre esse acontecimento ímpar: a visão de João Bénard da Costa, que o organizou e a visão de um crítico ultra-reaccionário, que depois singrou nos jornais do grande capital. Vale a pena lê-los! Tenciono publicá-los quando for rever essa obra-prima.

domingo, 17 de maio de 2015

HOMENAGEM A OLIVEIRA - O ESPELHO MÁGICO



“O Espelho Mágico” de Manoel de Oliveira

“Esta semana, por exemplo, a estreia do mais recente filme de Manoel de Oliveira foi menos vista (e muito menos repetida) (na TV) que as cuspidelas (*) de alguns arruaceiros… Alguém falou em jornalismo cultural? Importa-se de repetir?” (* no Mourinho)
João Lopes, DN, 12mar06

Baseando-se (uma vez mais) num romance de Agustina Bessa Luís “A Alma dos Ricos”, Oliveira, tal como aconteceu naquela que é, em nossa opinião, a sua obra-prima, “Vale Abraão” (e o tempo eventualmente o confirmará), subverte o espírito do romance, centrando a acção em Alfreda (Leonor Silveira) tal como o havia feito ainda mais com a personagem de Ema - a Bovarinha, segundo Agustina, (de quem a escritora obviamente não gosta e Oliveira transformou num símbolo de uma certa revolta feminina contra o ambiente fechado e medíocre onde vivem muitas mulheres). 

Em “O Espelho Mágico”, Oliveira transforma o discurso cheio de preconceitos da escritora - que recorre constantemente às metáforas e às frases que coloca na boca das personagens, para definir as suas ideias um tanto ou quanto elitistas e conservadoras, em imagens subtilmente irónicas sobre a decadência das famílias solarengas da região duriense. 

Alfreda, uma mulher ainda em plenitude física, casada com um marido muito rico e mas muito mais idoso, cujo único grande interesse é a escola de música que instalou no solar (o mestre é o Maestro José Atalaya), contrata como motorista um jovem ex-passador de drogas, que por isso esteve alguns anos preso. 

Frustrada, rodeada de padres, um dos quais, doutor em teologia (Michel Piccoli), que a convence de que a Virgem Maria teria sido afinal uma jovem filha de abastada família, passa a sonhar com as aparições desta, como forma de salvação pessoal, enquanto José Luciano (Ricardo Trepa), o motorista, de conluio com um antigo companheiro da prisão, agora transformado em providencial afinador de pianos (Luís Miguel Cintra), para resolver o que consideram ser uma tara da patroa, resolvem inventar uma aparição da Virgem, contratando para o efeito uma jovem, por quem o afinador se acaba por apaixonar… 

As imagens, de grande beleza, como sempre em Oliveira, são por vezes cheias de sensualidade – os banhos de Alfreda na piscina ou no rio ou os ensaios com a falsa Virgem Maria.



Omnipresente estão os espelhos, através dos quais Oliveira, magicamente por vezes, filma as suas personagens femininas, e através dos quais elas se miram e remiram. Até a enfermeira, mulher aparentemente de outra condição, não resiste à tentação, numa das mais curiosas cenas do filme.

Leonor Silveira é a grande actriz de Oliveira, como já sabemos, magnificamente acompanhada pelos restantes. Mesmo que por vezes o discurso tenha alguma teatralidade, o que não é defeito, antes pelo contrário, num cinema em que a palavra é rainha, em longuíssimos planos fixos, e suponho que exija mais dos actores.

Gostei muito, embora possa não ser uma das suas melhores obras, mas não deixa de ser um magnífico filme, com a marca do seu autor, um dos grandes cineastas vivos, pela coerência das suas obras, e pela genialidade revelada nalgumas delas. 

Amoreiras, 12mar06

MANOEL DE OLIVEIRA - UM MESTRE QUE DESAPARECE



HOMENAGEM A UM MESTRE

NOTA CINÉFILA - A propósito de O ESTRANHO CASO DE ANGÉLICA

Vi-a ontem, no pequeno e limitador ecrã de tv, a que julgo ser uma das últimas longas metragens de Manoel de Oliveira, estreada em 2010, pelo então já centenário cineasta.

Poderá ser uma obra menor na sua filmografia, mas consegue deixar sérias marcas na nossa memória cinéfila (pelo menos a mim...), E talvez eu não esteja só no gosto porque a programação do Festival de Cannes desse ano a projectou na abertura de "Un Certain Regard" ...


Para mim esta história de amor e morte ou morte e amor, é uma bela maneira de alguém que se sabe perto do fim tratar esse fim de uma forma que não deixa de ser poética, com alguns planos de enorme beleza (para mim, obviamente). 

Se pudesse ser assim...



CINEMA PORTUGUÊS - PRÉMIOS SOPHIA 2014, da ACADEMIA PORTUGUESA DE CINEMA




Foi, em minha opinião, o momento mais alto da como sempre interessante cerimónia de distribuição de prémios, principalmente pelo texto que Luís Miguel Cintra enviou e foi lido e bem, ao contrário de outros, este pela actriz Inês de Medeiros. 
Grande Homem de Teatro, encenador e actor, também no cinema, em grandes obras, principalmente nos filmes de Manoel de Oliveira, o mestre que infelizmente nos deixou no dia da realização deste evento.


E a propósito, não deixa de ser irónico que os principais prémios Sophia desta edição, para a realização e para o filme, tivessem ido afinal para o cinema comercial em detrimento do cinema de autor. Oliveira não teria votado certamente assim. 

Sinal dos tempos ou mera casualidade que a prestação de uma grande actriz, Maria do Céu Guerra, provocou?






PAISÀ (LIBERTAÇÃO)




PAISÀ (LIBERTAÇÂO) (1946), de Roberto Rossellini

Tal como "ROMA, CIDADE ABERTA", outra das obras-primas deste grande cineasta italiano, de novo com a colaboração de Federico Fellini, em início de carreira, e de Marcello Pagliero. 

Georges Sadoul dedica uma página inteira (!) do seu famoso Dicionário dos Filmes, de 1965, a esta obra maior do cinema de guerra. 


Relatos, através de 6 episódios passados do Sul ao Norte de Itália, da luta pela Libertação do país contra o fascismo e o nazi-fascismo. Sadoul salienta em especial os episódios de Florença e do Pó. E fala no apoio do grande poeta Paul Eluard ao filme.

Quase sem actores profissionais é uma obra admirável que continua a emocionar-nos hoje, em que se comemoram os 70 anos da vitória sobre o nazi-fascismo no próximo dia 8 de Maio (Atenção: não falhar a sessão comemorativa no Auditório Camões, em Lisboa, 18.00). 


Ainda vai ser possível ver esta obra na retrospectiva da obra do realizador a decorrer em Abril/Maio no cinema Nimas, em Lisboa (consultar programa). Quem puder que não deixe de ver. 

Ainda sobre PAISÀ (Libertação), obra-prima de Roberto Rossellini, filme do Neo-Realismo Italiano, uma visão humanista da luta do povo italiano para se libertar do fascismo e expulsar os invasores nazi-fascistas. 

Dos 6 episódios, Georges Sadoul, o célebre crítico e estudioso do Cinema tem razão: o último episódio, o passado no delta do rio Pó, é talvez o melhor. 

É o dos resistentes (partigiani) e dos paraquedistas cujos aviões foram abatidos pelos nazis e que se juntam à Resistência para combater os fascistas. 

As suas imagens, realistas, não se apagam da nossa memória. Embora a obra acabe tragicamente, com o assassinato daquele grupo de homens corajosos que não viram a cara à luta, a obra contém em si a esperança de novos dias, com a derrota do fascismo e o nascimento de uma enorme vontade de mudança. Hoje, mais de 70 anos passados, já sabemos o que se passou e como às vitórias se sucederam derrotas e depois novas vitórias e assim sucessivamente. A luta de classes permanece intensa e o refluxo das revoluções deste lado Atlântico faz os fracos desanimar. Mas novas vitórias já se divisam no horizonte, com o capitalismo em profunda crise de decadência, de que a corrupção, a falta de ética, a falta de princípios (que os políticos no poder espelham - cavaco, portas, passos, sócrates e seus seguidores) são sintomas evidentes.

O fotograma que juntei é de um dos momentos mais impressionantes da obra - o funeral do Resistente que os fascistas haviam morto e deitado o cadáver ao rio e que a Resistência resgata das águas ainda que com perigo da própria vida, para lhe dar sepultura nas margens do delta. As imagens são de um grande fotógrafo do cinema, Sergio Amidei.





Conforme foi salientado pelo crítico Adriano Aprà, no final da sessão a que assisti, esta obra foi produzida com dinheiro dos estúdios norte-americanos (o que não deixa de ser notar no filme...) e foi a mais cara desse ano, apesar da sua só aparente simplicidade, sem actores profissionais.


RATOS E HOMENS (2)



RATOS E HOMENS, John Steinbeck / Armando Caldas

Voltei a Linda-a-Velha ao Intervalo Grupo de Teatro para tornar a ver o espectáculo que até ao momento no decurso deste ano mais gostei: "RATOS E HOMENS", dramatização do celebre romance de John Steinbeck. 

Julgo que existe um forte aplauso generalizado de quem já viu esta encenação do Intervalo, pela mão do seu director, Armando Caldas. Não vou acrescentar muito ao que escrevi a quando da estreia desta peça no Auditório Lourdes Norberto, sobre a grande qualidade deste espectáculo.

Mas agora, ao ter conhecimento de opiniões, comentários, não posso deixar de citar o que li escrito por Judite Lima, personalidade da nossa Rádio que muito admiro pelos programas que dirigiu ou em que colaborou e não posso deixar de recordar o inesquecível Allegro Vivace, que fez com o Victor Nobre para a Antena 2. Fui nessa época um ouvinte fiel desse programa da manhã sempre que podia. "Já não há programas assim, dessa qualidade" é o lamento generalizado que oiço dos amigos.

Escreveu Judite Lima sobre "Ratos e Homens": "(...) Adorei!!!! Não percam. Saímos mais humanos, quando termina a peça. Obrigada pelo excelente espectáculo - não há cinema que ultrapasse o teatro." (13-Abril-2015).

Concordo! E eu, cinéfilo impenitente mas também grande amante do Teatro, não posso deixar de salientar a última frase. É que por muito mágica que seja a tela por onde passam sonhos, anseios, esperanças, desilusões do ser humano, nunca pode chegar ao pulsar dos corações dos actores que na nossa frente tentam representar a Vida. E em espectáculos particularmente intensos como às vezes este é, sentimos que os actores dão muito de si e surgem-nos fatigados pelo esforço que a representação exige. Há nesta encenação alguns momentos que não vamos esquecer - a morte do cão velho, o eclodir da violência entre os homens por causa da rapariga, o trágico encontro no celeiro, a cena final, no belíssimo cenário das margens do rio presente na abertura e fecho da peça e da autoria de António Casimiro.

Não me vou alongar agora mais nesta pequena nota. Apenas, lembrar a quem ainda não viu e o possa fazer, que não falte! Sei que alguns amigos/amigas já viram e gostaram muito e todos falam da emoção sentida, à beira das lágrimas. Surpresa para mim seria que isso não tivesse acontecido. NÃO PERCAM!!!

Abraços
19-Abr-2015, Egas