BREVES NOTAS (tomadas na altura) SOBRE ESPECTÁCULOS VISTOS NO 33º FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA
Obs: Mereceriam obviamente outro tratamento mas já me falta o talento, a força e o tempo... Peço desculpa.
1- HEDDA GABLER, de Henrik Ibsen, encenação de Juni Dahr
O 33º Festival de Teatro de Almada começou de maneira brilhante na Casa da Cerca!
Para quem gosta de Ibsen imagine o que se poderá fazer num espaço belíssimo como é a Casa da Cerca, espaço de exposições e eventos da Câmara Municipal de Almada, com Lisboa em fundo.
Mas o que esperávamos foi superado por esta magnífica encenação da peça HEDDA GABLER, pela encenadora e actriz norueguesa, também cineasta, Juni Dahr, acompanhada por outros 4 magníficos actores, uma mulher e três homens, do Visjoner Teater, de Oslo.
Espectáculo dito em norueguês, mas com uma tradução para português excelente e muito visível para todos quantos estavam a assistir.
Espectáculo quase íntimo, para apenas 60 espectadores por sessão, como gostava o grande dramaturgo norueguês, Henrik Ibsen, para aproximar o público dos actores e da representação.
Um longo e caloroso aplauso no final, com todos os espectadores de pé, pareceu-me até surpreender os actores, que talvez não o esperassem da parte de um público de língua tão diferente. Mas Almada é Almada e o público que criou tem uma cultura teatral invejável e rara.
2- A GAIVOTA, de Anton Tchecov, encenação de Thomas Ostermeier
Um famoso encenador alemão, Thomas Ostermeier, regressou a Almada com uma encenação muito moderna (mas não, pelo menos na parte principal, pos-moderna... felizmente!) de uma das grandes peças de Anton Tcheckov, A GAIVOTA.
É um grande texto que continua a suscitar interrogações e dúvidas de quem o vê representado (ou o lê) sobre o comportamento das pessoas... e dos artistas:
"Artistas!..." comenta a certa altura um dos personagens, o médico.
Os comentários que o encenador incluiu na representação pecam, em minha opinião, por serem, no campo das ideias, um pouco confusos e ambíguos, pelo menos para mim, como o sobre os refugiados das zonas do mundo (Médio Oriente) vítimas de agressões e invasões da NATO e da UE para conquistarem fontes de matérias primas e por razões estratégicas favoráveis ao imperalismo,
Pessoalmente, no entanto, e no cômputo geral, achei muito bom, principalmente a partir de certa altura, onde se aproximou mais do clássico.
3- TRÓPICO DEL PLATA (Trópico do Mar da Prata), texto e encenação de Rúben Sabadini
(visto no Teatro Estúdio António Assunção, durante o Festival de Teatro de Almada de 2016)
Uma magnífica interpretação, de uma jovem actriz, Laura Nevole, transforma um espectáculo minimalista em algo que nos toca.
E é quase sempre através da metáfora que o autor, o dramaturgo argentino Rubén Sabadini, nos descreve a relação de poder que se estabelece entre um homem, Guzman, e a sua amante, Aimée, uma jovem que recorre à prostituição para sobreviver numa grande metrópole, e que ele utiliza recorrendo à violência, como proxeneta e chulo. E as relações com os clientes, burgueses que se disfarçam, se escondem, para se servir daquela mulher.
"O mercado da carne não funcionaria sem a cumplicidade de uma sociedade patriarcal prostituta que se sabe soberana e, no carnaval da história, a violência (institucional) contra a mulher disfarça-se de escolha pessoal e torna-se invisível por detrás da máscara."
"toda a violência (dos poderosos) é política porque a vítima é aquela que é tida por inferior."
"No mínimo este espectáculo procura não agradar a tantos espectadores de classe média que frequentam o teatro para expiarem as suas culpas de burgueses silenciosos e, como tal, complacentes." (palavras do autor, transcritas na folha da sessão)
Espectáculo à altura do Festival, com uma excelente legendagem, embora a clareza do castelhano argentino e a magnífica dicção de Laura Nevole a dispense muitas vezes.
De salientar ainda que, por esta interpretação, a actriz recebeu vários prémios no seu país.
4- GRAÇA - SUITE TEATRAL EM TRÊS MOVIMENTOS - autoria e encenação de Carlos J.Pessoa
Este Festival também tem destas coisas: conduzir-nos a locais de grande beleza, neste caso o velho Teatro Taborda, na encosta do Castelo de S. Jorge, mas à altura da Senhora do Monte ou do Monte Agudo, que é um fascínio de instalações, de vista, de localização. E quanto à peça, GRAÇA - SUITE TEATRAL EM TRÊS MOVIMENTOS, concepção e encenação de Carlos J. Pessoa, para o Teatro da Garagem, é uma magnífica homenagem à pintora Graça Morais, cuja obra, de profundo sentido telúrico, pelo menos para mim, a sua sensibilidade e humanismo, admiramos desde há muito, sendo outro espectáculo que nos surpreendeu, principalmente pela sua concepção com recurso a meios vários, nomeadamente o vídeo, admiravelmente conseguidos.
Relembremos que a pintora é a autora do belíssimo cartaz do Festival e que duas exposições da sua obra são visíveis, na Casa da Cerca (até Setembro) e na Escola D. António da Costa (só durante o Festival).
5- DEIXA-ME QUE TE BAILE, dançado e encenado por Mercedes Ruiz
Para mim o Festival iniciou-se e terminou com dois espectáculos que achei brilhantes, de que gostei muito.
Para abrir, foi a HEDDA GABLER, a famosa peça de Ibsen, representada este ano na CASA DA CERCA e que viria ontem a merecer a escolha do público para Espectáculo de Honra de 2017 (fiquei contente porque gostei muito desta encenação).
E o fecho, incluindo a homenagem a um grande homem de teatro, Ricardo Pais, foi outro espectáculo excepcional, DEJAME QUE TE BAILE, não de teatro mas de dança e canto, desta vez com o FLAMENCO, dançado pela que foi considerada este ano, em Espanha, a melhor intérprete desta Arte, Mercedes Ruiz (Jerez de la Frontera, 1980) e a sua Companhia.
É difícil encontrar palavras para descrever o que se sente quando se assiste a um espectáculo de FLAMENCO, com esta enorme qualidade artística, com as suas origens em povos e culturas, com as quais as nossas ligações ancestrais são fortíssimas - árabes, judaicas e, principalmente, ciganas. Impossível não pensar em Frederico Garcia Lorca, um dos maiores poetas e dramaturgos da Literatura Universal e em tempos mais recentes, num grande cineasta, Carlos Saura e na sua maravilhosa trilogia sobre a música património universal - Flamenco, Tango e Fado.
6- CONCLUSÃO
Com imagens feitas por um modesto espectador e fotógrafo ocasional e outras, as de alguns dos participantes, de espectáculos que vimos, retiradas da NET.
Foi o 33º. E como diria o seu criador e fundador, o saudoso Joaquim Benite, já estamos a pensar em como será o 34º, onde esperamos ainda estar presentes, com o mesmo empenho e interesse...
Retenho as palavras do director artístico do Festival, Rodrigo Francisco, em entrevista que lemos - "... há um espectáculo que eu acarinho bastante e que é o espectáculo de encerramento no Palco Grande: Dejame que te baile, da coreógrafa e bailadora espanhola Mercedes Ruiz."
Também nós porque foi, em nossa opinião, um brilhante e maravilhoso encerramento para o Festival, mesmo que à sua programação deste ano possam ser tecidas algumas críticas mas isso ficará para outro espaço e momento !
E lamento muito não ter podido ver tudo o que me interessava.