Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

quinta-feira, 26 de março de 2015

CITIZEN FOUR



CITIZENFOUR

Pseudónimo sob o qual Edward Snowden contactou por e-mail Laura Poitras, jornalista e autora do documentário e a partir do qual o analista informático, que havia trabalhado para a NSA e CIA, denunciou o sistema de escutas controlado pela NSA, generalizado a todas as redes a que os norte-americanos conseguem ter acesso, ou escutar, em todo o mundo, após o 11 de Setembro. 

A partir desse contacto inicial, reuniram em Hong-Kong, a jornalista, juntamente com o colega Glenn Greenwald, do The Guardian, jornal britânico, e Snowden. E Laura filma e grava os encontros donde sairá este documentário. 

Se o filme não surpreende quem conheça minimamente as enormes possibilidades da tecnologia actual da computação, neste caso quando aplicada à espionagem, acredito que seja assustador para quem o desconheça e não se tenha apercebido da dimensão sua interferência com a vida privada dos cidadãos, nomeadamente através das redes telemóveis, das redes telefónicas, da internet de uma maneira geral, em especial no correio electrónico (e-mail), nos motores de busca (google e yahoo), no facebook, no youtube, todos em geral fornecidos e controlados por firmas norte-americanas. 

Não existe privacidade nesses meios e isso é que os seus utilizadores (todos nós afinal) deveriam ter consciência. A liberdade neste mundo do Big Brother deixou de existir. Podemos ser seguidos e controlados a cada passo e gesto. Gostos e ideias dos cidadãos, desde que revelados pelo próprios nesses meios, podem ser seguidos e ficarem registados no sistema!

Por ter trabalhado desde muito cedo com meios computacionais, desde o início dos anos 70 que o sei, época em que a informática começou a ser utilizada massivamente, primeiro nas empresas e depois nas habitações, beneficiando duma enorme evolução neste quase meio século, em especial a partir da digitalização da voz e da sua armazenagem em computador, tornando obsoletas as velhas centrais telefónicas electro-mecânicas e os estúdios de rádio.

O som, qualquer que seja, incluindo o da voz humana, passou a ser convertido em sinais digitais, isto é, os que se baseiam exclusivamente em dois estados, por exemplo - há corrente ou não há, o que matematicamente se traduz pela existência de dois únicos dígitos (algarismos), o zero e o um, tornando a sua armazenagem e manipulação muito simples através da electrónica. 

Daí que os modernos computadores, com velocidades de funcionamento impressionantes, também resultantes da miniturização e integração dos seus componentes, possam identificar uma palavra, ou uma frase, das nossas mensagens ou das nossas conversas e a partir daí desencadearem processos de busca e relacionamento que permitem colocar na secretária de um qualquer agente da CIA, ou de outro qualquer agente da chamada segurança, situado não forçosamente no Pentágono, mas em qualquer outra parte do mundo, em escassos segundos, os dados mais revelantes do autor da mensagem. 

É dessas buscas também que resultam as paragens e até bloqueios de que nos queixamos quotidianamente no facebook, por exemplo, quando escrevemos determinados nomes ou substantivos. E a isso acresce a pirataria e a sabotagem informática a que também estamos sujeitos, por processos semelhantes, dos que não gostam do que escrevemos ou publicamos.

Resta dizer que o documentário merece ser visto fundamentalemente por isto, embora em termos de linguagem cinematográfica seja pobre. Mas para o fim pretendido, o de alerta aos incautos e protesto contra o devassa da privacidade dos cidadãos e até de perseguição política, não fosse necessário fazer uma obra de arte. 

Uma coisa não é dita no filme mas julgo que será o que todos os espectadores não deixarão de pensar: 

Acabar ou destruir os computadores não é possível. 

Parar a evolução tecnológica também não. 

Mas uma coisa é possível porque depende de todos nós: mudar as políticas a que estamos sujeitos nestes tempos e nos desgovernam, acabar com o sistema económico que domina a maioria das actuais sociedades humanas - o capitalismo, cada vez mais predador, em fase terminal e por isso tendendo para os extremos de mais exploração e mais violência (o estado de guerra em que vivemos em vários zonas do mundo e o perigo constante de conflitos alargados).

Essa mudança é possível e necessária, para podermos voltar a ser cidadãos com Liberdade. 





domingo, 8 de março de 2015

O PELICANO



O PELICANO, de August Strindberg, encenado por Rogério de Carvalho para a Companhia de Teatro de Almada, estreado no Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada.

Strindberg ((1849-1912) chamou-lhe Teatro Íntimo, nome que deu à própria sala inaugurada em 1908 e onde estreou O PELICANO, numa tentativa de criar um novo público, diferente do público grande burguês e pouco culto que frequentava maioritariamente os espectáculos de teatro no seu país, a Suécia, tal como no resto da Europa. 

Surpreendentemente esta peça, que inaugurou aquele teatro, apesar das suas incongruências (segundo alguns) continua a ser inesperadamente moderna, neste intenso drama familiar, entre álcool e fogo, tão constantes aliás na vida escandinava, dos longos e frios invernos e dos sentimentos de culpa e expiação que nascem de uma educação severa e rígida, que como sempre acontece nas educações baseadas em moralismos religiosos descamba numa enorme hipocrisia e muitas vezes, numa tragédia.

Magnificos a encenação, o cenário, as interpretações das 5 personagens, com especial relevo para a Mãe (a grande actriz Teresa Gafeira), na qual Strindberg colocou muito da perversidade feminina a que atribuiu os falhanços amorosos da sua vida privada. 
E para terminar esta pequena nota lembrar Teresa Gafeira nas diferentes Mães que tem desempenhado recentemente (entre vários outros papéis completamente distintos), como as de Gorki/ Brecht e de O´Neill (em Uma Longa Jornada para a Noite) para sentir a grande versatilidade desta actriz. 

E "O Pelicano", por tudo isto, é um espectáculo que suporta múltiplas visões.




quarta-feira, 4 de março de 2015

RATOS E HOMENS




RATOS E HOMENS 

Escrito em 1937, por John Steinbeck (27-Fev-1902, Salinas, Califórnia - 20-Dez-1968, NYC) 

Já não me lembro quando li pela primeira vez, na juventude, esta obra de Steinbeck. Mas é uma das histórias que nos tem acompanhado toda a vida. 

Drama dos explorados e oprimidos nuns EUA em plena crise do capitalismo, numa das cíclicas crises do sistema, esta a de 1929, uma das maiores, que causou milhões de desempregados, aliás tal como a actual, neste início de século, porque são sempre os trabalhadores que pagam as crises para que o grande capital as aproveite para se manter ou quase sempre para aumentar os seus proventos. E se necessário for lança-se em guerras em que mais uma vez são os soldados provindos do povo, utilizados como carne para canhão, que irão morrer em massa. Foi assim na crise de 29, com a grande guerra de 1939-45, mas a guerra já começara a ser preparada antes, em Espanha. Então o fascismo tinha crescido, aproveitando-se da miséria das massas e os grandes estados capitalistas, governados por políticos burgueses, pensaram em lançá-lo contra a União Soviética, o primeiro estado dirigido pelos trabalhadores. Não contaram todavia com a força do povo soviético e acabou por ser o fascismo a ser derrotado, mas com o sacrifício de muitos milhões de seres humanos, em especial na União Soviética. 

Só pretendi situar o drama no tempo e no espaço. Embora nada disto tenha sido explicitado por Steinbeck, sabemos que foi assim. Os desenraizados, os sem trabalho, seres errantes no imenso território dos EUA, à procura de uma qualquer ocupação, ainda que difícil, sem direitos, sem garantias de nenhuma espécie. Aliás não só nos EUA, também na Europa e ainda há dias o víramos mostrado no também excepcional filme documento "O Espírito de 45", de Ken Loach. 

E os mais vulneráveis serão ainda as vítimas maiores. O que então nos impressionou e continua a impressionar em "Ratos e Homens", quase uma vida inteira decorrida, é a solidariedade entre seres humanos e a esperança de melhores dias, que nunca morre. 

O querer auxiliar os mais fracos. O nunca os deixar para trás, entregues à sua sorte, num mundo hostil e sem a protecção a que deveriam ter direito. Uma sociedade que não trate dos seus elementos mais frágeis não é digna desse nome. Pensei assim na juventude e continuo a pensá-lo agora. Quando oiço alguém defender a lei do mais forte e que os desprotegidos, ou os sem recursos, qualquer que seja a causa, devam ser ignorados, ou liquidados como defendem os fascistas, isso para mim é uma aberração e nunca o aceitarei. 

Na história que Steinbeck criou, o final é um libelo, não contra o trabalhador que só quer defender o companheiro até ao fim, mas contra a sociedade que cria condições para que a tragédia possa acontecer. Mas também sabemos como às vezes os mais miseráveis e despolitizados se tornam injustos e cruéis para os seus semelhantes, principalmente contra os que são mais fracos que eles. O pior e o melhor do ser humano vem ao de cima nas grandes crises. Steinbeck conseguiu fazer-nos sentir isso e esta belíssima adaptação ao teatro ainda mais. Pondo em confronto os sonhos daqueles homens, de um mundo mais justo e melhor para todos e a realidade cruel de exploração e miséria para a grande maioria. Julgo que foi por isso que outro dia, quando fui ver a peça, a tensão dramática subiu a níveis tão raros que a emoção se instalou no palco e na plateia quando o espectáculo terminou. Isso é grande teatro em qualquer parte do mundo! 


Esta realização do Intervalo Grupo de Teatro é magnífica, muito bem interpretada pela equipa que o constitui, dirigida pelo saber de Armando Caldas, que consegue sempre maravilhas dos seus excelentes actores e actrizes. Aqui sente-se uma vez mais como o trabalho de grupo é importante. No final do espectáculo pensei que gostaria de ver esta brilhante encenação num grande festival de teatro porque julgo que teria condições para aí ser devidamente apreciada.







NOTA: Texto publicado inicialmente no Facebook

YVONE KANE



YVONE KANE, de Margarida Cardoso

Depois do excelente A Costa dos Murmúrios, baseado no romance de Lídia Jorge, uma nova obra, muito interessante e principalmente magnificamente realizada e interpretada (Beatriz Batarda e Irene Ravache são brilhantes). Com argumento da realizadora.

Memória dos tempos da Luta Anti-Colonial e do que aconteceu depois, a partir da independência, dos novos e velhos inimigos, das desistências e das traições. Como linguagem é, em minha opinião, excepcional

Tenho muita pena de já não poder ouvir aqueles críticos de cinema que me ajudaram a formar opinião, revelando-me a arte das imagens, como por exemplo os saudosos Manuel Machado da Luz (Seara Nova e outros) e Rodrigues da Silva (principalmente no Jornal de Letras) e saber o que diriam desta belíssima, do ponto de vista cinematográfico principalmente, obra de Margarida Cardoso. 

Ela colocou as suas personagens na época do fim do império colonial português, quando ele foi estrondosamente derrotado pelos movimentos de libertação, e um pouco mais tarde quando se verificou que as revoluções sonhadas não tinham conseguido vencer, tendo ficado apenas as independências, difíceis e cheias de escolhos, num mundo hostil, dominado por novos imperialismos, que pretendiam dominar aquele novo mundo surgido da derrota do velho colonialismo.

Foi assim na Ásia, na Oceania e principalmente em África, já que nas Américas o colonialismo português havia sucumbido há muito.

Margarida Cardoso nunca refere explicitamente Moçambique (embora tenha filmado lá e isso nota-se), porque julgo que quis ver a questão mais em geral, em relação à luta anti-colonial em África e da sua influência em alguns seres humanos que atravessaram esses tempos. Talvez como ela própria, que nasceu em Tomar, em 1963, mas foi com os pais para Moçambique e regressou a Portugal com 11 anos. 



E sobre essa época há duas obras lidas há pouco que considero fundamentais para a entender melhor, que são "No Percurso das Guerras Coloniais - 1961-1969" e "Angola, Os Anos Dourados do Colonialismo - A Insurreição", ambas escritas pelo médico e ex-combatente, Mário Moutinho de Pádua, baseado na sua experiência ímpar, na guerra e na luta anti-colonial.

Não deixem de as ler. E já agora de ver o filme.

Quanto aos países que se libertaram a partir de 1974 e alguns muito antes, continuam felizmente, embora a Luta Continua, como a cantou Miriam Makeba. seja uma palavra de ordem para os povos, que mantém toda a sua actualidade.

NOTA: texto publicado inicialmente no Facebook

GATA EM TELHADO DE ZINCO QUENTE



Num momento em que já estão em cena ou vão estrear espectáculos que não quero perder, nomeadamente entre outros:

RATOS E HOMENS, adaptação do romance de John Steinbeck, pelo Intervalo Grupo de teatro, com encenação de Armando Caldas

O PELICANO, de Auguste Strindberg, pela Companhia de Teatro de Almada, com encenação de Rogério de Carvalho

LISBOA FAMOSA, PORTUGUESA E MILAGROSA, baseada em autos dos séculos XV e XVI, pela Cornucópia, com encenação de Luís Miguel Cintra

Relembrar dois espectáculos muito bons que vi ultimamente:

KILIMANJARO, baseado em As Neves do Kilimanjaro e outros textos de Ernest Hemingway, pela Companhia de Teatro de Almada, com encenação de Rodrigo Francisco

GATA EM TELHADO DE ZINCO QUENTE, de Tennessee Williams, pelos Artistas Unidos, com encenação de Jorge Silva Melo

Sobre Kilimanjaro, já tinha falado em post anterior e portanto volto a dizer que em minha opinião nos conseguiu transmitir mais alguma coisa sobre o grande escritor e a sua obra, o vencedor de prémios Pulitzer e Nobel, mas também o cidadão empenhado e participante nas grandes questões do seu tempo, nas lutas e combates travados contra o fascismo e o nazismo, nos dois conflictos mundiais e em Espanha, Hemingway, que não tendo no entanto e infelizmente conseguido superar as suas inquietações pessoais, cedo nos deixou. 

Foram utilizadas soluções cénicas nesta encenação que aproximaram os espectadores do palco e dos actores mas sem nunca ultrapassar aquela barreira que se torna por vezes incómoda para quem assiste (pelo menos em minha opinião), a menos que saiba exactamente o que nos espera.

Quanto à encenação desta Gata em Telhado de Zinco Quente foi feita com o savoir-faire habitual, que é sinónimo de grande qualidade, de Jorge Silva Melo e dos seus actores, alguns dos quais foram extraordinários. 

Tennessee Williams dizia às vezes que era a sua peça preferida. É obviamente difícil para nós, leitores e espectadores, confirmar se isso é certo, dada a qualidade dos grandes textos de teatro que ele escreveu. E noutros domínios, os do cinema, talvez ele seja até o autor que mais brilhantemente foi adaptado, transferindo do palco para o grande ecrã os seus por vezes intensos dramas, não sendo difícil falar de mais de meia-dúzia de grandes filmes sobre obras suas. 

Um deles é o belíssimo filme, Gata em Telhado de Zinco Quente, de Richard Brooks, grande cineasta norte-americano de cuja obras gosto muito, mesmo tendo em conta as dificuldades que teria tido com os censores nos USA, ao transportar esta peça para um filme a ser visto por uma multidão de espectadores, que o terão obrigado a certas alterações, que não eram obviamente justificadas apenas devido à linguagem utilizada. 




A complexidade do drama no seio de uma família sulista, em que ambições, invejas, traições, vêm à tona, com todos os problemas que em geral uma sucessão traz, leva a que as suas personagens sejam vistas de modos diferentes por encenadores e críticos. E leituras diversas possam ser feitas, como se de personagens reais se tratasse. Principalmente relativamente ao casal Maggie e Brick, em torno do qual decorre toda a acção. Para uns o final conduzirá a uma certa estabilidade (como no filme de Richard Brooks), para outros isso é apenas aparente e Maggie vence porque é mais esperta (na versão de Jorge Silva Melo).

Algumas interpretações neste espectáculo atingem o brilhantismo: Catarina Wallenstein, em Maggie e Américo Silva, no Pai Pollit, que Tennessee considerava ser a sua melhor personagem de sempre, e na sua peça preferida, com o seu quase monólogo na longa conversa com o filho, Brick, no segundo acto. 



Será a Gata a melhor peça de Tennessee? 

É difícil dizê-lo perante a grande qualidade de quase toda a sua obra. E só no cinema poderíamos citar as obras-primas criadas por Joseph L.Mankiewicz, Richard Brooks, Paul Newman, John Huston, Sidney Lumet e Elia Kazan. Tudo grandes nomes da Sétima Arte!

NOTA: texto publicado inicialmente no facebook

KEY LARGO



KEY LARGO (Paixões em Fúria) (1948), de John Huston 

Visto em noite de Óscares (porque gravei). 

Abro um parêntesis para referir que os seus principais prémios - de MELHOR FILME, REALIZAÇÃO e FOTOGRAFIA, foram para BIRDMAN. do cineasta mexicano ALEJANDRO GONZÁLEZ IÑARRITU, um mal-amado da crítica neo-liberal dominante. 

Por isso foi para mim uma agradável surpresa, até porque gostei bastante de BIRDMAN (ver o post de há dias) e aprecio muito de um modo geral as obras de IÑARRITU já exibidas no nosso País. Surpresa também porque WES ANDERSON era favorito, embora a sua filmografia não tenha nenhum significado especial para mim, mas Anderson é, ao contrário de Iñarruti, um supervalorizado por aquela mesma crítica. 

Mas foi nesta noite que acabei por rever KEI LARGO, uma obra-prima de JOHN HUSTON, de 1948. 

Esta é uma obra que me é particularmente cara por juntar na sua ficha técnica grandes nomes do Cinema, que muito aprecio. 

Refiro, porque muitos amig@s podem não ter reparado, que o argumento deste filme é assinado em primeiro lugar por RICHARD BROOKS (Filadélfia, 18-Mai-1922 - 11-Mar-1992). Ele é um dos grandes nomes do cinema norte-americano, quer como argumentista, quer como realizador. Da sua filmografia constam obras admiráveis como GATA EM TELHADO DE ZINCO QUENTE, ELMER GANTRY, SEMENTES DE VIOLÊNCIA (Blackboard Jungle), SWEET BIRD OF YOUTH, A ÚLTIMA VEZ QUE VI PARIS, OS PROFISSIONAIS, etc, etc). 

O argumento de KEY LARGO é magnífico e reflecte uma visão progressista da sociedade. Veja-se como refere a comunidade índia, como faz uma alusão à violenta perseguição anti-comunista, no pós-2ª Guerra Mundial, aos cidadãos norte-americanos de esquerda, campanha conduzida por elementos da extrema-direita então no governo dos USA, apesar do fascismo ter sido derrotado na Europa (mas aonde ainda ficaram no entanto no poder alguns dos mais fervorosos adeptos de Hitler - Salazar e Franco) e retrata sem complacências os grupos de gangsters dominantes na sociedade estado-unidense (Rocco, admiravelmente desempenhado pelo grande actor Edgar G.Robinson (Bucareste, Roménia, 12-Dez-1893 - 26-Jan-1973), refugia-se na então colonizada pelos EUA ilha de Cuba. Faltava ainda mais de uma década para a Revolução Cubana conduzida por Fidel Castro sair triunfante e libertar a Ilha). 

RICHARD BROOKS, que foi um grande realizador, ainda hoje é esquecido, ou desvalorizado, pela crítica de cinema dominante. Aliás esta é uma das formas de que o grande poder económico sempre se serviu, através de escribas convenientemente escolhidos para, com algum sucesso, tentar influenciar camadas mais intelectualizadas da população. 

JOHN HUSTON (Nevada, Missouri, 5-Ago-1906 - 28-Ago-1987), o realizador de KEY LARGO, é um dos nomes maiores da realização cinematográfica universal, autor de várias obras-primas, como A RAINHA AFRICANA, ASPHALT JUNGLE, RELÍQUIA MACABRA, THE DEAD (Gente de Dublin), O TESOURO DE SIERRA MADRE, etc, etc. 

Contracenando com uma equipa de secundários magnifica, entre os quais se destacam LIONEL BARRYMORE (Filadélfia, 28.Abr-1878- 15-Nov-1954) e CLAIRE TREVOR (Newport Beach, Califórnia, 8-Mar-1910 - 8-Abr-2000), surgem os grandes actores EDGAR G.ROBINSON (já referido) e as estrelas do filme, LAUREN BACALL (Bronx, New York, 16-Set-1924 - 12-Ago-2014), recém falecida e HUMPHREY BOGART (New York, 25-Dez-1899 - 14-Jan-1957). 

LAUREEN BACALL e HUMPHREY BOGART, são inesquecíveis, quer como actores mas além disso também como seres humanos preocupados com a vida dos seus semelhantes e que algumas vezes os levou a tomar posições públicas. 



RICHARD BROOKS e JOHN HUSTON adaptaram uma peça de um famoso dramaturgo norte-americano, MAXWELL ANDERSON (Atlantic, Pensilvânia, 15-Dez-1888- 28-Fev-1959), cujo humanismo e apoio às lutas dos seus concidadãos o levaram a ser perseguido e despedido algumas vezes. 

Sobre KEY LARGO dizer ainda que a peça, de MAXWELL ANDERSON, foi admiravelmente transposta para o cinema, pondo em destaque o seu humanismo e as cargas psicológica e sociológica que estão nas suas entrelinhas. A intensidade dramática do palco, perante os actores em carne e osso, não se perdeu nesta versão em cinema, mesmo num pequeno e modesto ecrã como é o da televisão.
A não deixar de ver quando reaparecer.




NOTA: texto publicado inicialmente no Facebook

O ESPÍRITO DE 45





THE SPIRIT OF' 45 (O Espírito de 45)


Do mais interessante que está em exibição na nossa cidade!

Realizado pelo grande director britânico, Ken Loach, que tanto apreciamos.

É um filme documentário sobre a vida britânica, a começar nos anos 30 e a centrar-se no pós 2ª Grande Guerra Mundial e vindo depois até à actualidade.

Obviamente a não perder! Em exibição no recentemente aberto, com o velho nome de há um século, CINEMA IDEAL. Sito no Calhariz (ao Largo do Camões), que é a mais simpática sala da cidade.

Sobre o realizador, relembrar que o primeiro filme que dele vi, e aliás o primeiro que realizou, em 1969, KES (Os Dois Indomáveis) causou-me logo uma grande surpresa pela enorme qualidade do filme de um realizador então praticamente desconhecido, nesse final dos anos 60. Como de outras vezes, sem referências críticas, fomos tocados apenas pela realização magnífica de Ken Loach. 

E nunca mais quisemos perdemos uma estreia sua, sempre que aqui acontece, muitas vezes não chegando a vir, mas isso são os problemas da péssima distribuição que vamos tendo neste país, a maior parte completamente comercial...




BIRDMAN



Pequena nota cinéfila

Provavelmente é filme para, principalmente, quem goste muito de Cinema!

Refiro-me à ultima obra, BIRDMAN (A Inesperada Virtude da Ignorância), do cineasta mexicano, nascido na Cidade do México, que é por vezes excessiva e exagerada, violenta na linguagem e trocista dos seguidores acéfalos das novas tecnologias, tal como da maioria dos "blockbusters" produzidos em Hollywood para consumo de públicos muito pouco exigentes (mesmo que tenham intérpretes de primeira grandeza) e ainda, com mordaz ironia, dos críticos do nosso descontentamento (hilariante a figura da famosa escriba nova-iorquina, que nos fez lembrar outros mais modestos...). 

Nem é preciso ser espectador atento e reparar no tour de force, tecnológico, dos longuíssimos planos únicos (planos sequência), para se impressionar com uma obra que tem alguns momentos brilhantes. 

Um deles, pelo inesperado, pelo insólito, é o surgimento nas profundezas do teatro do músico da obra - o percussionista António Sanchez. 



E a propósito: o melhor que li até agora sobre o filme foi a magnífica entrevista ao realizador, Alejandro González Iñárritu, na famosa revista de cinema francesa, Positif - Revue mensuelle de cinéma, apesar do descontentamento que foi ler no mesmo número um editorial mais que reaccionário. Como foi possível?

Entretanto as imagens são do St.James Theatre, em Nova Iorque, onde foi filmada a obra.

Nota à posteriori: BIRDMAN ganhou os principais prémios dos Óscares para as obras estreadas em 2014 - filme, realização e fotografia! Uma surpresa para muitos...





NOTA: texto publicado inicialmente no Facebook

KILIMANJARO



KILIMANJARO, baseado em Ernest Hemingway, dramaturgia e encenação de Rodrigo Francisco, para a Companhia de Teatro de Almada


A dramaturgia deste espectáculo parte duma obra-prima do conto, "As Neves do Kilimanjaro", que Hemingway (1899-1961) escreveu em 1936, muito longe ainda do desenlance fatal que o afastou de nós quando muito haveria ainda a dizer e a fazer, pensamos. Mas junta-lhe excertos da restante obra do autor ("todas as frases nesta peça são do Hemingway, excepto uma", afirmou Rodrigo Francisco, autor da dramaturgia e da encenação). 

Para além das soluções cénicas, do desempenho dos actores, da tensão dramática atingida - tudo magnífico, quase sem falhas, obviamente que o fundamental é a visão que o autor do espectáculo nos quer dar do pensamento e obra do grande escritor, premiado com o Pulitzer em 1953 e com o Nobel em 1954. 

E nós espectadores procuramos o fio condutor que liga as várias cenas querendo sentir se corresponde, ou não, às nossas ideias. Se lhe acrescenta até alguma coisa, para nós. Porque o teatro tem, pelo menos na minha opinião, sempre o objectivo de falar da vida. E se assim não for confesso que pouco me interessa.

As inquietações do escritor, a sua busca de realização - na escrita, na vontade de viver (a que alguns chamam espírito de aventura) os grandes acontecimentos do seu tempo, na participação cívica - as guerras em que, pensamos nós, quis ajudar a combater "o mal", a combater o nazi-fascismo, em Espanha e na Europa, no amor, transformam-no num ser humano invulgar, que apesar do seu interesse pelos outros, pela sorte deles, atravessará grandes momentos de solidão. 

Por nos ter transmitido parte disto, o espectáculo torna-se também nosso e mais que pela proximidade física aos actores é por aí que nos prende, nos interessa. MUITO BOM!





Mas há mais qualquer coisa que quero dizer: ao pensar no homem que Hemingway foi, ao pensar no amor a Cuba, ao pensar em "O Velho e o Mar" (outra obra-prima entre as várias que criou), ao pensar na inesquecível foto com Fidel (em 1960), ao pensar na Revolução a que assistiu e em que participaram alguns dos seus amigos, tenho pena, muita pena, que não tivesse conseguido ultrapassar as suas inquietações interiores e pudesse, por muitos e bons anos, continuar a ser visto no velho bar de Havana e a escrever sobre os outros ... e sobre si. Faltou-lhe alguém, talvez, que lhe tivesse feito sentir isto, por muito difícil que o seja, como quase todos sabemos.


NOTA: texto publicado inicialmente no Facebook

JE VOUS SALUE MARIE



LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Para cinéfilos e não só

Com os acontecimentos de Paris e o ataque ao CHARLIE HEBDOMAIRE e o assassinato entre outros de Wolinski, um autor que muito apreciáramos em tempos idos, lembrei-me da estreia nos anos 80 deste filme, JE VOUS SALUE MARIE, de JEAN-LUC-GODARD na minha cidade, Lisboa e da violência que então aconteceu, com a extrema-direita e fundamentalistas católicos, com a presença do presidente da Câmara, Abecasis, eleito pela aliança de direita (AD), a tentar impedir a sua projecção, com uma concentração à porta da sala, ameaçando destruir tudo e agredir os espectadores que resolvessem ver o filme. 

Valeu então a mobilização dos amigos do cinema, e da liberdade, para evitar que a violência descambasse. Vendo-se em minoria os reaccionários bateram em retirada... e o filme foi depois exibido comercialmente durante algumas semanas, embora numa única sala...




TRÊS CANÇÕES SOBRE LENINE



Tive muita pena de não ter podido ir ver na Cinemateca a exibição das TRÊS CANÇÕES SOBRE LENINE, uma das obras-primas de Dizga Vertov, o grande cineasta soviético, o autor do famoso "O Homem da Câmara de Filmar" (1929).

As TRÊS CANÇÕES foram estreadas em 1934 e são para muitos o cume da arte desse genial artista. 

Georges Sadoul, nos seus famosos Dicionários dos Cineastas e dos Filmes (edição de 1965) e também Marcel Martin e Schnitzer, o citam.

Esta exibição na Cinemateca, julgo que foi determinada por escolha de Pedro Costa, o cineasta convidado este mês para mostrar a sua obra e a de outros realizadores cujas obras considera importantes.

As TRÊS CANÇÕES vêem-se com admiração e emoção. É que testemunham uma época a que nenhum ser humano para quem a Liberdade, o Progresso Social, a Paz, a Luta por um Mundo Melhor em suma, são fundamentais, poderá ficar indiferente.





MISS JULIE



MISS JULIE, de Liv Ullmann, com Jessica Chastain, Colin Farrel e Samantha Morton, um trio de magníficos actores.

O argumento é a adaptação ao cinema da famosa peça homónima do grande dramaturgo sueco August Strindberg (1849-1912), publicada em 1888 mas só estreada em palco em Londres em 1935 e em Nova Iorque em meados do século XX!!! 

Muitos consideraram-na então "maldita"... E parece ainda causar alguns perturbações em certos espíritos, como se pode constatar ao ler algumas reacções críticas ao filme, que aliás é magnífico, em minha opinião. 

Obviamente há uma interpretação da peça, embora a tente respeitar o mais possível, por parte da carismática actriz de Ingmar Bergman, que o acompanhou até à sua derradeira obra-prima, que é um dos seus mais brilhantes filmes, Sarabanda. 

Julgo até que o genial artista não teria desdenhado apoiar o trabalho da sua discípula.

Começa portanto muito bem o ano em termos cinematográficos, com um dos mais interessantes filmes em exibição. Não percam e depois digam-me se gostaram, ou não.

Não vou contar o argumento porque nestas coisas não se deve influenciar os futuros espectadores, mas é verdade que, se o não conhecem, podem lê-lo na Net. 

Relembro outra peça de Strindberg que vamos poder rever em Fevereiro, desta vez no teatro, em Almada, com encenação de Rogério de Carvalho para a CTA. Outra vez uma história em que a perversidade está presente. A não falhar portanto O PELICANO, até por que conta também com algumas admiráveis interpretações.

Só gostava de salientar ainda o seguinte: MISS JULIE descreve com uma fortíssima carga dramática uma atracção física, uma relação sexual, assombrada, entre outras coisas, por preconceitos de classe. 

Talvez seja afinal essa velha questão da luta de classes que torna o filme ainda incómodo para certas mentes pouco abertas (vide algumas críticas). 

Lembrei-me a propósito das obras da escritora inglesa, Anne Perry (Londres, 12-Out-1938), também com o seu quê de "maldita" para a mesma crítica, e no entanto brilhante nas suas descrições de época, da Vitoriana em especial (Rainha Vitória, 1819-1901), ultrapassando em muito pela qualidade das suas obras o género policial a que se dedicou. 

Mas também ainda a propósito pensei no despudor, e até na aparente frieza, como os membros da família Espírito Santo, falam, em audições públicas, de mentiras, de negócios muito pouco claros, como se tudo isso fizesse parte de um comportamento civilizado. Um amigo nosso sempre comenta, quando manifesto algum espanto, que "eles" não são iguais a nós, foram educados para agir de outra forma. 

Mas isto são reflexões muito pessoais sobre uma obra, a peça e agora a sua adaptação ao cinema, que não deixa de continuar a nos tocar. E é excepcional sobre o ponto de vista de construção dramática, nisso se distinguindo da mediocridade habitual das intrigas mais ou menos vulgares, que o cinema actual em geral nos traz.


NOTA: Este texto foi publicado inicialmente no Facebook