Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

quarta-feira, 21 de maio de 2014

NO TEATRO: TRILOGIA NOS 40 ANOS DO 25 DE ABRIL

Vi, no ciclo de teatro "40 Anos do 25 de Abril" organizado pela Companhia de Teatro de Almada, a peça "DIZ-LHES QUE NÃO FALAREI NEM QUE ME MATEM", escrita e encenada por Marta Freitas.

A autora é sobrinha-neta de uma grande figura da Resistência Anti-Fascista, Carlos Costa (Fafe, 28-Mar-1928), militante comunista, pela qual lutou desde muito cedo. Carlos Costa em 1943 aderiu ao PCP. onde desempenh
ou importantes funções, tendo sido membro do Comité Central. Por essa luta foi preso, tendo passado um total de 15 anos nas masmorras fascistas e participado na famosa fuga de Peniche, com Álvaro Cunhal e mais alguns camaradas, em 3-Jan-1961.

Esta peça, sendo uma homenagem da autora ao seu Tio-Avô, transforma-se principalmente numa homenagem a todos os resistentes anti-fascistas que presos, torturados, alguns assassinados pela repressão do fascismo salazarista, nunca traíram os seus ideais e os seus camaradas, resistindo às sevícias brutais da polícia salazarista. Até o fascismo ser derrubado numa manhã luminosa e inesquecível, em 25 de Abril de 1974, após 48 anos de luta sem tréguas, pela qual muitos deram a vida.

Utilizando para o efeito um cenário único, com cenografia de Catarina Barros e um único actor em cena, Mário Santos, na interpretação magnífica do resistente preso, a peça consegue prender os espectadores ao longo de cerca de uma hora e fazê-los sentir o horror e ignomínia do tratamento dado pela PIDE aos lutadores anti-fascistas que lhe caiam nas garras. E cimentar nos espectadores a enorme admiração por aqueles que dedicaram a vida, com extraordinária coragem, a lutar pelo fim da exploração e das desigualdades a que povo estava sujeito, e também os povos das colónias, explorados e escravizados por mais de 500 anos de ocupação das suas terras. 

E esses militantes revolucionários, como Carlos Costa, foram os melhores de nós durante essa noite tenebrosa de quase meio século, e isso nunca o esqueceremos.

No entanto, nos reveses da luta de classes ao longo destas 4 décadas desde 1974, de novo os poderosos conseguiram estar em vantagem e torna-se imperativo prosseguir a luta para recuperar os direitos do povo e o desenvolvimento e progresso do país, conseguidos pela Revolução de Abril, e hoje seriamente abalados pela recuperação capitalista. A peça não o diz, mas senti-mo-lo nós, perante a situação grave em que de novo vivemos. Daí a importância de um ciclo de teatro como este! 

Depois da homenagem a Álvaro Cunhal, da homenagem aos presos políticos através do testemunho de Carlos Costa, falta referir a última peça da trilogia, que já vimos e de que falaremos depois.

Foi tocante a presença do homenageado, o militante comunista Carlos Costa, na primeira fila da plateia e no final chamado ao palco pelo actor Mário Santos, para receber o emocionado e longo aplauso do público. Outro momento ímpar da Sala Experimental do Teatro Municipal Joaquim Benite, que não esqueceremos.


Nota (curta, por falta de tempo) à posteriori –

Se gostámos muito das 2 primeiras peças o encerramento da trilogia proposta pela CTA desiludiu. Não só pelo aspecto político, já que foi esse o objectivo da autora, mas também pelo aspecto estético, ficando longe da referência no texto introdutório a Pina Bausch, uma das mais geniais criadoras, no campo da Arte, do século XX / início do XXI. Confesso que me lembrei também de Jorge Silva Melo e de alguns dos seus extraordinários espectáculos que a nossa memória mantém, como termo de comparação. O tema mereceria uma outra qualidade pese embora a boa vontade e empenho dos artistas envolvidos, em especial os muito jovens.

As comemorações da Revolução de Abril, onde este ciclo se integrava, e muito bem, destinam-se afinal não a lembrar o que morreu mas a fazer crescer com o entusiasmo popular as sementes que dela felizmente ficaram e são muitas. Obrigado à CTA por esta bela iniciativa!

2ª Nota à posteriori (que continua a ser curta pelas mesmas razões)

Ainda sobre a desilusão que constituiu a visão da terceira proposta, “Depois da Revolução”,  da trilogia sobre a Revolução de Abril, em boa hora organizada pela CTA:

Em primeiro lugar, porque me apercebi de que foi por vezes difícil para a maioria do público entender o que se passava no palco, não por o espectáculo ser complicado mas por ser confuso, mesmo recorrendo à ajuda do texto introdutório da autora, Luísa Costa Gomes, e apesar de ela se ter socorrido de algumas belas canções (alheias), embora por vezes fossem aqui quase irreconhecíveis.

Além disso pareceu-me ver neste espectáculo laivos do conhecido e famigerado preconceito contra a luta organizada dos trabalhadores (como diria o Zeca), muito na linha daqueles movimentos que sempre surgem quando a luta de classes se agudiza (como agora), que são muito palavrosos, insignificantes mas bastante perigosos, por  tenderem a arrastar para as margens da luta, isto é, para fora dela, os mais ignorantes e despolitizados, razão pela qual são sempre acarinhados pelo poder mais reaccionário (vidé apoio das TVs e da generalidade dos Media controlados pelo grande capital).

Por outro lado, a ambiguidade ideológica do espectáculo (com algumas deturpações e mistificações sobre o processo revolucionário de 1974/75) leva a que também haja quem nele veja, como eu, sintomas de um anticomunismo primário, porque baseado na propaganda capitalista, obviamente falsa, gerador de divisão no seio da esquerda plural que suponho os autores defenderem. Será deliberado?

Lamento dizê-lo, mas no final pensei para mim, que na eventualidade de os representantes do poder actual (PM, PR, PAR) e da sua incultura militante (lembrar recente caso da colecção Miró ou do estado do nosso teatro  ou do estado do nosso cinema) estivessem presentes, teriam provavelmente aplaudido, porventura de pé, alguns de cravo ao peito, porque nada os afrontou seriamente.

Como eu gostaria de ver incluída a famosa canção a esse respeito, de Barata Moura, num espectáculo deste tipo, sobre os tempos subsequentes à Revolução, e aos actuais reveses, para os explorados e oprimidos na Luta de Classes. Mas isso seria obviamente uma outra visão...

Em todo o caso, tenha-se  a visão  de classe que se tiver (da responsabilidade do autor) o que desilude, além dos aspectos estéticos que gostaríamos que fossem melhores,  é a utilização da mistificação e a deturpação para justificar preconceitos, que podem induzir em erro espectadores menos atentos à realidade ou dela desconhecedores por serem mais jovens.

3ª e Última Nota – (escrita a quando da primeira visão, em 2013, da peça, então integrada nas comemorações do Centenário de Álvaro Cunhal)

Sobre “UM DIA OS RÉUS SERÃO VOCÊS - O Julgamento de Álvaro Cunhal”
Bela homenagem a uma das mais brilhantes figuras do Século XX, revolucionário, comunista e homem de grande cultura, autor, para além da obra política e sociológica, de romances, pinturas e desenhos, obras que julgo que o tempo nunca fará esquecer, dada a sua enorme dimensão humanista e enquanto houver seres humanos neste nosso mundo. E apesar de, como tem acontecido nos últimos tempos, as ideologias anti-humanístas procurarem silenciar o seu testemunho, eliminando-o até de compêndios escolares (!) ou, o que é mais grave, deturpando-o.

Um dos aspectos em minha opinião mais admiráveis desta notável abordagem teatral foi a enorme sobriedade da encenação, com o grande mérito de colocar as palavras em grande destaque. Tratava-se da teatralização da defesa, depressa transformada em acusação contra o regime opressor, feita pelo próprio Álvaro Cunhal no tribunal plenário, caricatura de tribunal que o fascismo criou para condenar quem lhe caísse nas mãos (Tribunal da Boa-Hora, 2 e 9 de Maio de 1950).

Essas palavras, ouvidas hoje, já na segunda década do século XXI, continuam a ter, infelizmente, a maior das actualidades.

Julgo que Joaquim Benite, o Mestre precocemente desaparecido, não teria feito muito diferente se tivesse tido ainda tempo para realizar o seu sonho de criar e encenar esta peça.

Uma palavra de grande aplauso para o actor principal, Luís Vicente, brilhante no desempenho dessa figura maior da nossa Política e da nossa Cultura e para o encantamento que foi ouvir e ver o "Acordai", de Fernando Lopes Graça, canção obrigatória nos tempos difíceis por que voltamos  a passar, interpretada pelo Coro dos Pequenos Cantores do Conservatório de Lisboa. Um olhar para o futuro que nos tocou profundamente! Admirável!




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