Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

terça-feira, 31 de dezembro de 2013

BALANÇO CINÉFILO 2013

BALANÇO CINÉFILO 2013 – em 31-DEZ-2013

Esta é a minha lista definitiva do que mais gostei no grande ecrã de cinema.
À lista provisória, feita em Novembro, só faço uma alteração: incluir o último filme dos Coen, que coloquei a par do filme do Abbas Kiarostami...
OS 10 MAIS (ordem alfabética...)
Até Amanhã. Camaradas, de Joaquim Leitão
Blue Jasmine, de Woody Allen
O Capital, de Costa-Gravas
Django Libertado, de Quentin Tarantino
A Essência do Amor (To the Wonder), Terrence Malick
Eu e Tu, de Bernardo Bertolucci
Like Someone in Love, de Abbas Kiarostami / Inside Llewyn Davis, de Ethan e Joel Coen
Não, de Pablo Larrain
O Profundo Mar Azul, de Terence Davies
Vénus de Vison, de Roman Polanski

OS DOCUMENTÁRIOS PREFERIDOS
A Mãe e o Mar, de Gonçalo Tocha
A Última Encenação de Joaquim Benite - Não basta dizer "Não", de Catarina Neves

UMA SURPRESA
Frances Ha, de Noah Baumbach

UMA DESILUSÃO
Antes da Meia-Noite, de Richard Linklater

UMA (RE)VISÃO MAGNÍFICA
Tio Vânia, de Andrei Mikhalkov-Konchalovsky

UMA REFERÊNCIA FINAL
A um filme relativamente modesto, sem pretensões cinéfilas, mas cuja visão nos deu prazer por ter a
 ver connosco: A GAIOLA DOURADA, de Ruben Alves



segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

LEITURAS - HENNING MANKELL



LEITURAS

DEN OROLIGE MANNEN (Um Homem Inquieto) (2009)

De Henning Mankell (Estocolmo, 3-Fev-1948)

1-Uma pequena nota para os meus amigos facebookianos, nomeadamente para os que apreciam a chamada literatura policial, sobre a última obra publicada entre nós daquele escritor sueco, e que tem como protagonista principal o inspector Kurt Wallander. Será aliás a última em que ele surgirá, tomando em consideração o derradeiro parágrafo desta obra, por muito que isso custe aos seus leitores, embora haja um provável continuador na sua filha Linda Wallander.

2-Um aviso prévio de que se trata de uma obra para leitores adultos, no sentido mais lato do termo. 

Porque se é certo que a escrita de Mankell fascina, os escolhos de leitura são muitos e há até um momento em que apetece pôr a obra de lado. Não por ser literariamente inferior, bem pelo contário, mas porque parece reflectir os clichés, reaccionários e preconceituosos, massivamente propagandeados pelos órgãos do sistema capitalista, durante a Guerra Fria, ficando no leitor a dúvida se reflectirá o ponto de vista de Wallander, polícia competente e arguto na investigação, mas de uma ignorãncia política muito grande, ou às vezes do próprio escritor...

3-No entanto uma das mais belas passagens do livro é quando Wallander deixa o meio da alta burguesia e vai conversar  com uma trabalhadora (interrogar), empregada de restaurante já reformada, que travou conhecimento directo com os militares de alta patente que surgem na complexa intriga.

4-Kurt Wallander, oficial de polícia, de 60 anos, já com uma já longa carreira que os leitores foram acompanhando em obras anteriores, e que, de certo modo, ele revisita ao longo deste romance; a sua filha Linda, que segue as pisadas profissionais do pai; as mulheres da vida de Kurt, Mona e Baiba, com desenlaces trágicos; a neta Klara; o Pai, já falecido, a quem finalmente o filho parece entender, e que aliás mostrava uma perspicácia política muito superior à de Wallander; os colegas de profissão: eis o universo próximo de Wallander. 

O resto são os von Enke, uma família da alta burguesia, e os que os rodeiam, principalmente oficiais superiores das forças armadas suecas.

O relato que Mankell faz da sociedade sueca é muito pouco lisonjeiro, mostrando-nos como é pouco verdadeira a aura de serem progressistas as sociedades nórdicas, conforme à ideia propalada pela comunicação social de tendência social democrata. O romance fala nomeadamente do ódios dos conservadores, em especial nas forças armadas e da alta burguesia, a Olof Palme, o primeiro-ministro assassinado em circunstâncias ainda hoje não esclarecidas. Tal como refere o feroz anti-comunismo dos mesmos meios.

Não devendo ser aqui referida a intriga com mais pormenor, para evitar que o suspense se perca, recomendo a leitura aos que apreciam este género de literatura, a dita policial. 

Henning Mankell é sem dúvida um dos melhores autores contemporâneos do género, principalmente se estivermos atentos ao ambiente social e político em que se movem as suas personagens.


Nota à posteriori

A série televisiva adaptando os romances de Henning Mankell não chegou aos nossos pequenos ecrãs, julgo que fruto da lamentável subserviência dos programadores de TV portugueses ao  que entendem ser o "gosto do mercado"... O resultado é uma programação em geral medíocre, quando não ainda pior e a que normalmente se costuma designar por lixo, com uma predominância das séries norte-americanas de baixa qualidade  ou das telenovelas cujo único interesse são os desempenhos das estrelas, muitas vindas do teatro em crise e que recorrem à televisão para sobreviver. 
Quem me lê sabe que não sou um fã desta televisão que nos "dão", embora me interesse pela qualidade e não teria dificuldade em citar umas poucas dezenas de grandes obras para o pequeno ecrã, vistas ao longo do tempo, de vários proveniências, desde o Brasil, aos EUA/Canadá e Europa, incluindo Portugal, e que considero magníficas. Fica para outra oportunidade. Por agora, resta este lamento...

IR AO TEATRO - A NOITE, de José Saramago



Sobre “A NOITE”, de José Saramago

Foi em 1979 que José Saramago escreveu a sua primeira peça de teatro, justamente esta, aceitando o desafio da saudosa encenadora e autora, Luzia Maria Martins, a criadora com a actriz Helena Félix do Teatro Moderno de Lisboa, que durante inesquecíveis anos, para quem goste de teatro, esteve sediado no Teatro Vasco Santana, na Feira Popular de Lisboa (ao Campo Pequeno), “barracão” onde assistimos a grandes espectáculos.

A Revolução de Abril já havia sofrido sérios reveses (“já estragaram a tua festa, Pá”, Chico Buarque, na segunda versão de “Tanto Mar”, após o 25-Nov-1975) quando Saramago a escreveu.

A peça é uma homenagem a esse momento único que foi a madrugada de início de um dos mais belos acontecimentos (em minha opinião e espero que não só) da História do nosso país, que vivemos ou de que nos chegam os ecos, ao longo de mais de oito séculos de existência (já somos velhinhos...). 

Mas também é intemporal, porque retrata pessoas perante situações críticas, retrata comportamentos que têm a ver com a classe social e os interesses dos envolvidos. E a sensação que fica ao espectador comum é que conheceu gente como aquela (eu conheci...). Aí é a mestria de um grande escritor, capaz de nos transmitir, com inteligência e rara simplicidade, sentimentos e comportamentos profundos, que jogam com a natureza humana, mas que vêm ao de cima fruto do meio e da época em que surgem. Não admira portanto que a visão desta peça nos emocione, por vezes fortemente, relembrando a nossa própria vivência daquele momento histórico maior, mas também pela exaltação de valores que fazem com que continuemos a acreditar na Humanidade.

Em 1979 a peça subiria ao palco pela primeira vez, representada pelo Grupo de Teatro de Campolide, na sua versão integral, e encenada por um dos maiores nomes do Teatro em Portugal, Joaquim Benite, que nos deixou recentemente.

A versão actual resulta de uma adaptação de Paulo Sousa Costa e encenação de José Carlos Garcia. Embora eu tivesse preferido ouvir o texto original de José Saramago (porque julgo que o texto dos autores deve ser, sempre que possível, respeitado na íntegra), julgo que as modificações operadas, como a redução das personagens para cerca de metade, ou as falas de Faustino, ou o fortíssimo final do original, embora discutíveis, especialmente a última, não alteraram as intenções do autor. 

O sucesso de público, obviamente desconhecedor, na sua grande maioria, da peça na sua versão escrita, ou mesmo em relação a anteriores representações, mostra que esta encenação da obra de José Saramago atinge o objectivo de interessar e emocionar o público. Para isso muito contribui o brilhante desempenho dos actores e nestas coisas prefiro em geral não fazer saliências pessoais quando o conjunto é muito bom. Mas aqui também não seria justo deixar de referir o trabalho de grandes actores nos papéis principais, como João Lagarto, Vítor Norte, ou Paulo Pires.

Como a afluência de público obriga a prolongar a sua representação até meados de Janeiro, sugiro que quem possa não perca. É no Teatro da Trindade, em Lisboa. E já agora não deixem de ler também a peça. 

A propósito, embora já as tenha visto adaptadas à ópera (e gostei), gostaria muito de ver em palco outras duas peças de José Saramago, de que gosto muito: “In Nomine Dei” e “Dom Giovanni, O dissoluto absolvido”. Terei como espectador essa boa sorte?


domingo, 29 de dezembro de 2013

INSIDE LLEWYN DAVIS


INSIDE LLEWYN DAVIS (A Propósito de Llewyn Davis)

Já vi o último filme dos manos Coen (Ethan e Joel) e considero-o muito interessante, na linha das obras anteriores destes carismáticos realizadores norte-americanos. Com uma diferença: é mais triste e melancólico (pelo menos para mim).

Ambos nascidos em Minneapolis, Minnesota, nos EUA. Joel em 29-Set-1954, Ethan em 21-Set-1957. 

São dois aparentemente vulgaríssimos cidadãos. Casados: Joel com a actriz Frances McDormand, desde 1984, têm 1 filho; Ethan, com Tricia Cooke, desde 1990, com 2 filhos. No entanto constituem uma dupla de cineastas cujas obras não nos cansamos de admirar, pela maneira muito própria e original como observam as suas personagens, descrevem os ambientes em que vivem, narram as suas histórias. Por isso são, na minha opinião, verdadeiros autores e não meros técnicos, encarregados de filmar histórias para agradar às audiências.

“Barton Fink” (1991), “Fargo” (1996), “Este País não é para Velhos” (No Country for Old Men) (2007), “Destruir Depois de Ler” (Burn After Reading) (2008), “Um Homem Sério” (A Serious Man) (2009), “Indomável” (True Grid) (2010), estão entre os meus filmes preferidos, no conjunto da sua obra.

Agora, basearam-se na vida de um cantor folk dos anos 60, pouco conhecido, Dave Von Ronk, contada nas suas memórias. O resultado é um mergulho com muito fascínio nos bares de Greenwich Village, o famoso bairro de Manhattan, a fazer lembrar um bairro duma cidade europeia, onde alguns jovens queriam, nessa época, fazer da actividade musical a razão principal da sua vida, sem grande ou nenhum sucesso a maior parte das vezes, como o seu mal amado, azarado e desastrado herói, Llewyn Davis, magnificamente interpretado por Oscar Isaac, que também canta e muito bem. 

Não vou referir os vários incidentes que tornam complicada a vida de Llewyn, apenas dizer que além das amantes, a quem acaba por pagar abortos (obviamente clandestinos), também aparece um gato, Ulisses, que vive em casa do casal Golfein, amigos fieis que quase perde por cauda dele ou a fantástica cena protagonizada por John Goodman, grande actor, preferido dos Coen, na alucinante viagem de automóvel entre Nova Iorque e Chicago, onde o estilo dos Coen, e nesse e noutros episódios (o atropelamento de um animal. Qual? Não sabemos. Chegámos a julgar que fosse o Ulisses perdido... Posso rir?) com toda a mestria e originalidade destes dois grandes criadores (realizadores e argumentistas) surge.

Uma palavra para a fotografia, de Bruno Delbonnel e um profundo lamento para a falta de tradução das letras das canções. 

A quem puder recomendo a leitura da entrevista dada pelos Coen à revista Positif (Nov-2013).



domingo, 15 de dezembro de 2013

OLDBOY - VELHO AMIGO





OLDBOY – Velho Amigo, de Spike Lee

Com algum sabor oriental no argumento, o que se compreende por adaptar uma manga (banda desenhada) japonesa, com desenhos de Nebuaki Minegishi e argumento de Garon Tsuchiya, de que realizador sul-coreano Chan-Wook Park já havia realizado em 2003 uma obra homónima, de grande sucesso comercial.

Este “remake” é um thriller intenso de Spike Lee (Atlanta, Geórgia, EUA, 20-Mar-1957), cuja filmografia muito admiramos. 

Não estando, em minha opinião, ao nível das obras-primas do cineasta – “Malcolm X”, “Do the Right Thing” (Não dês Bronca), “25th Hour” (A Última Hora), “Summer of Sam” (Verão Escaldante), entre outras, vale no entanto uma visão. 



O realizador transfere a acção para a actualidade e nos EUA, mas o que perde em ambiência oriental ganha na inquietação que transmite, fazendo-nos pensar na absurda privatização que os conservadores, agora tranvestidos de neo-liberais, querem levar, se os deixarem, para o sistema prisional norte-americano. Mas isto é apenas uma inquietação de espectador, preocupado com o retrocesso civilizacional que se intensifica a passos largos no mundo capitalista, fazendo prever conflictos sociais graves.

O suspense da obra não recomenda que se fale do argumento, para além de referir que narra a história de um homem que é raptado e preso durante 20 anos, sem perceber porquê e aonde está. Posto em liberdade tenta desvendar o mistério. 

Apenas referir que Spike Lee ao filmar, e muito bem, a mais intensa cena do filme, consegue fazer incidir nela os sentimentos mais fortes e contraditórios dos espectadores, que passarão sucessivamente por admiração, horror e dúvida.






4 AD HOC


Fui uma noite destas, ao Teatro do Bairro Alto, ver o espectáculo a que o seu criador, Luís Miguel Cintra, o actor e encenador que tanto admiramos, chamou "4 AD HOC". 

Quatro peças em um acto, que o encenador escolheu ao acaso, ad hoc, segundo diz no seu habitual e magnífico texto do desdobrável da sessão, do longo repertório, mais de 200 peças, de um grande autor do teatro de vaudeville francês, ou seja do teatro de comédia da vida burguesa, que ainda hoje, mais de um século depois, nos faz rir dos "disparates" por ele inventados, copiados da vida real. 

Eugène Labiche (Paris, 6-Mai-1815 - 23-Jan-1988) continua a surpreender-nos com a vivacidade dos seus textos. E as 3 horas e tal passam-se num ápice, entre muitos sorrisos e algumas gargalhadas (algumas até, desbragadas... sem ofensa). 

Escolhidas ad hoc são afinal 3 - "A Escolha de Um Genro", Dois Refinados Malandros" e "A Viagem", porque a quarta, "A Dama com as Pernas Côr do Mar", paródia ao teatro e a quem o faz, foi o final feliz desta noite de comédia, a não perder para quem possa, perante a excelência dos desempenhos dos actores e uma actriz (magnífica Sofia Marques, que se desdobra em 3 personagens, de 3 das peças, sempre com muita graça) da Cornucópia.



Não faltar, se vier a ser reposto.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

BALANÇO (Provisório) DO TEATRO VISTO EM 2013

Balanço (provisório) do que mais gostei no Teatro em 2013

obs: por razões pessoais, de saúde e outras, falhei muita coisa

Mas aqui ficam os 3 espectáculos de que mais gostei, por ordem alfabética de títulos (as razões podem ser encontradas no que na altura escrevi para os amigos)

O PELICANO, de Auguste Strindberg, Rogério de Carvalho, com a CTA

A ÚLTIMA GRAVAÇÃO DE KRAPP, de Samuel Beckett, Peter Stein

UM DIA OS RÉUS SERÃO VOCÊS, de Álvaro Cunhal, Joaquim Benite, Rodrigo Francisco, com a CTA

e uma saudação especial para os trabalhos dos ALOÉS, ARTISTAS UNIDOS, BARRACA, COMUNA, CORNUCÓPIA, CT de ALMADA, INTERVALO, TEATRO ABERTO, TEATRO MERIDIONAL, companhias de teatro da minha cidade, cujos espectáculos procuro seguir sempre que me é possível. E há mais, mas estas foi as de que me lembrei agora... Sem elas sentir-me-ei muito mais pobre

E de um livro publicado em 1992, por um grande homem do teatro, principalmente como teatrólogo, que assinou os seus escritos com o pseudónimo de Carlos Porto. 
Só agora o lemos, talvez porque não lhe tenha sido dado o devido relevo na altura e nos passou, e que todavia é de um grande fascínio para quem goste de Teatro: FÁBRICA SENSÍVEL.


quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

TWELVE ANGRY MEN (Doze Homens em Fúria)



OS FILMES MUITO AMADOS

Víramos há dias uma das obras-primas absolutas da Sétima Arte, ROCCO I SUOI FRATELLI (ROCCO E SEUS IRMÃOS), de Luchino Visconti, de que deixámos aqui, neste modesto blogue, uma pequena nota.

Agora foi o rever de outra obra inesquecível, TWELVE ANGRY MEN (Doze Homens em Fúria).

Revista numa sala de aula, cheia com muito jovens e menos jovens. Dois escalões etários separados por meio século de vidas mais ou menos intensas, com muitos sonhos e muitas lutas para os mais velhos, quase só sonhos, por enquanto, para os mais novos. Pelo entusiasmo de alguns, pela emoção sentida, julgo que compartilharam da elevação do argumento.

Esta obra-prima é de 1957, DOZE HOMENS EM FÚRIA, do realizador norte-americano, SIDNEY LUMET (Filadélfia, 25-Jun-1924 - Manhattan, 8-Abr-2011), o autor dos celebrados, e também alguns muito amados, SERPICO, DANIEL, FUGA SEM FIM, UM DIA DE CÃO, etc, etc.

Para os que não a conhecem voltarei a ela. Quanto a Lumet, um autor de esquerda, foi em vida menosprezado e às vezes ignorado pelos que dominam a comunicação social. Mas em 2005 os seus pares escolheram-no para o Óscar Honorário por toda uma carreira, obrigando alguns desses escritas a "retorcer aparos"...

Por agora, só a terminar, direi porque é para nós tão amada esta obra: é que poucas vezes no cinema o preconceito, seja ideológico, estúpido, racista ou irracional, foi desmontado com tanto brilhantismo.

E para aqueles que gostam do debate público, da vontade de esclarecimento de mentes bloqueadas, a que só falta abrir janelas para que consigam compreender que estão erradas, esta obra, declaradamente de esquerda, julgo que dirá muito.

Vou voltar.


REDEMPTION





“REDEMPTION” (REDENÇÃO), de Miguel Gomes (duração: 27’)

Não tendo previamente lido nada sobre o filme, o que prefiro se possível, em geral, para evitar preconceitos, confesso que até perto do final da obra, tentei compreender em vão o que nos queria transmitir o incontornável autor de “AQUELE FELIZ MÊS DE AGOSTO” e de “TABU”, duas obras de grande qualidade, mas que também tiveram, um raro sucesso de público e crítica, em Portugal e fora dele. 

Que infâncias e juventudes eram aquelas, já assimilando o pior, parecia-me, e que justificações adultas eram aquelas outras, procurando ir à juventude encontrar justificações para o mau comportamento adulto?

De repente, porém, fez-se luz e tudo passou a fazer sentido. Com textos da autoria de Miguel Gomes e da sua co-autora, Mariana Ricardo, a constatação de quem eram os quatro personagens que os autores resolveram caricaturar, num acto de revolta suponho, imaginando-as quando crianças (Passos Coelho), jovens (Angela Merkel), ou recordando episódios juvenis (Nicholas Sarkozy e Silvio Berlusconi), conferiram clareza e coerência à obra, perante o que conhecemos do trajecto humano e político destes personagens na triste Europa em que vivemos. E um sorriso amargo despontou nos rostos dos espectadores. 

Eles são afinal modelos (outros podiam ter sido os escolhidos – Cavaco, Durão Barroso, Blair, Aznar, Sócrates, etc, etc) de vários tipos de fazer política na área do neo-liberalismo, a nova forma que as classes dominantes encontraram nas últimas décadas de manter e aumentar os níveis de exploração dos trabalhadores e de condicionarem a luta dos povos pelos seus direitos, surgindo até entre esses políticos, e os seus porta-vozes, principescamente pagos na comunicação social, nos mais radicais de entre eles, o incitamento à repressão e à retirada de direitos fundamentais, duramente conquistados ao longo de gerações, como o direito inalienável em Democracia, que é o direito à greve.

Miguel Gomes imaginou, com algum humor sarcástico, e cáustico, o que, na infância e juventude desta gente, pode ter pesado nos homens e mulheres em que eles se vieram a transformar, para mal de todos nós. 

Um documentário político, que não agradará obviamente a “gregos e troianos”. Ainda bem! 

Um hiato no conjunto da sua obra, com o humor que todos lhe reconhecem. 

Um protesto, com o seu quê de iconoclasta para a toda poderosa indústria do cinema, de um jovem cineasta português. 

Um protesto também contra a incultura que grassa entre estes políticos e que põe em risco a própria indústria do cinema em países como Portugal. E muito mais, obviamente, o cinema como representação artística.



TERRA DE NINGUÉM





TERRA DE NINGUÉM, de SALOMÉ LAMAS

1-Já vi e achei interessante, também sob o aspecto da linguagem, o muito aplaudido "Terra de Ninguém", documentário da jovem realizadora, Salomé Lamas (na foto), primeiro prémio do DOCLIS de 2012. 

Curiosamente assisti sozinho, numa sala completamente vazia dum multiplex, num horário nobre. Disse-me o pessoal de serviço que, em sessões anteriores, alguns espectadores abandonaram a sala ao intervalo...

Porque a obra é incómoda? Não sei. É a entrevista a um mercenário e assassino, nas próprias palavras do retratado. 

Mas merece uma reflexão, pelo que revela aos menos informados, que o são por ignorância, por preconceito, às vezes por desmazelo, sobre a realidade que os cerca - os crimes contra a Humanidade cometidos pelas tropas ocupantes na Guerra Colonial Portuguesa, os atentados encomendados pela CIA na América do Sul, cujo objectivo era o terror, por isso tinham também por vezes por alvos os próprios apoiantes, os atentados dos GAL, em Espanha, encomendados durante o governo de Felipe Gonzalez. As seguranças de Kaulza e Sá Carneiro, de que o entrevistado fez parte.

E obviamente para tentarmos perceber o que pode levar um ser humano a um trajecto de vida como este, que em fase terminal o transforma num sem-abrigo, debaixo de um viaduto qualquer de uma grande urbe (Lisboa).



2-Uma longa entrevista a um mercenário e assassino, como ele próprio se define, admitindo que tudo o que conta é verdade. E pelos piores motivos, o que ele já não consegue admitir. 

O Homem pode transformar-se num ser violento, sem piedade, por motivos vários. E ninguém estará à partida, livre disso. 

O ódio, em primeiro lugar. O instinto de defesa em segundo lugar. E também o pode, por pensar que está do lado dos que têm razão, porque lhe disseram que os outros são “maus”. 

O personagem deste documentário quer justificar-se assim. É que passou de soldado, voluntário é certo, mas integrado num exército regular, em guerra, injusta é certo, para alguém que é pago para combater e matar sem escrúpulos. Em ambos os casos actuou com selvajaria. Parece que na sua cabeça não existiram muitas dúvidas, segundo diz. Será talvez essa a justificação que julgam possível, os que participaram em massacres e crimes contra populações indefesas durante as Guerras Coloniais. E infelizmente já ouvi justificações semelhantes, que me impressionaram.

No entanto ele terminará a sua atribulada existência como sem-abrigo, depois de preso e condenado a 15 anos, em Espanha, por um único crime entre as centenas (?) de assassinatos que terá cometido, como soldado e mercenário, sempre do lado das forças de repressão, dos poderosos, contra os que lutaram pela liberdade dos seus povos, ou depois, como assassino contratado para matar, ainda pelos mesmos poderes (episódio dos GAL, criados durante o governo Felipe Gonzalez, contra a ETA). E depois de ter sido segurança de Kaulza de Arriaga e de Sá Carneiro, segundo diz... Como se deixasse de ser útil para os que o utilizaram. 

Um dos paradoxos desta existência seria o de, a acreditar no que ele conta, ele ter afinal alguma ética, já que, mesmo sendo capaz de matar sem pena nem remorso e cometendo as maiores barbaridades, na África Colonial Portuguesa ou em Salvador. (lembrar a propósito o impressionante e magnífico “Romero”, de John Duigan, na altura em que membros da “Igreja dos Pobres” apoiavam a guerrilha (Arcebispo Romero), filme que é a visão do outro lado da barricada, do lado das populações em luta contra a miséria, contra a fome, contra a repressão dos poderosos, relembrando a morte da guerrilheira, eventualmente assassinada por gente como este mercenário português ao serviço da CIA, segundo ele diz) 

Ética por se recusar a matar os familiares das suas vítimas, mas só como assassino contratado, porque nas guerras, coloniais principalmente, velhos, mulheres e crianças eram abatidas também (Angola). O racismo também pesaria aí? 


O que impressiona no filme de Salomé Lamas é a magnífica encenação, aparentemente muito económica de meios, e muito directa, que a jovem realizadora criou para a entrevista. A ideia também de cortar as perguntas, substituindo-as por um número, sequencial, que separa as respostas. Nunca ouvimos a voz de quem pergunta. Apenas breves comentários, da própria Salomé, entre cada um dos 5 ou 6 episódios, temporalmente bem definidos, que constituem o documentário. Esta forma acaba por nos ligar mais ao entrevistado e nos fazer quase acreditar que se trata afinal de um ser humano igual a muitos outros, com algumas fragilidades, com todas as suas limitações e contradições (a infância, feliz, em África). Nisso a obra está de facto muito conseguida.

Os que defendem o filme referem-se obviamente a este aspecto e também ao facto dele acabar por mostrar que a Guerra Colonial, feita pelo governo português, foi muito mais cruel do que as versões oficiais, ainda hoje, querem fazer crer. É que não ignora os selváticos massacres cometidos pelas tropas coloniais, as aldeias queimadas, e as suas populações inteiras dizimadas, e as cabeças cortadas penduradas como troféus, nos cintos ou nas viaturas. Em Wiriamu, Nambuangongo ou noutro local qualquer. 

Embora julgo que não foi esse objectivo principal de Salomé. Mostrar sim as contradições do ser humano. Que parece, em certas ocasiões, capaz de sentimentos vulgares, solidários até (a cena final dos sem-abrigo, debaixo da ponte) e ao mesmo tempo capaz de se deixar levar pelo ódio, pela irracionalidade, pelo interesse (o dinheiro – o episódio de Monte Carlo) e cometer com indiferença as maiores atrocidades contra os seus semelhantes.

A justificação de um criminoso? Julgo que não. Antes um olhar para os que caem para o outro lado da barricada, por falta de inteligência e depois, utilizados, já não poderão regressar...















domingo, 1 de dezembro de 2013

NA CINEMATECA, EM DEZEMBRO...


Um Dezembro cheio de obras-primas na CINEMATECA PORTUGUESA

Se me pedissem para seleccionar uma dúzia de obras para ver teria muita dificuldade, por ter que deixar de fora quase outras tantas: porque há um ciclo de Fritz Lang, no seu exílio americano ao fugir ao nazismo e há também King Vidor, Eric Rohmer, Jules Dassin, “Scaramouche” de George Sidney, António Reis e Margarida Cordeiro, Manoel de Oliveira, John Ford e um muito recente e excelente James Gray (“Two Lovers”, de 2008!), para só falar do que gosto muito.

Em todo o caso aí vai, só com uma nota: 

são todos de autores de que gosto muito e obras que estão na minha lista das muito amadas e pessoalmente considero que algumas são obras-primas absolutas da Sétima Arte.

Os horários respectivos podem ser encontrados no site da Cinemateca.

A ordem é a alfabética dos títulos em português.

Eis a minha lista:

1-Andrei Rubliov (Andrei Rubliov), Andrei Tarkovski, URSS, 1966

2-Antes da Revolução (Prima della Revoluzione), Bernardo Bertolucci, ITA, 1964

3-Os Clowns (I Clowns), Federico Fellini, ITA, 1970

4-Contos da Lua Vaga (Ugetsu Monogatari), Kenji Mizoguchi, JAP, 1953

5-Corrupção (The Big Heat), Fritz Lang, EUA, 1953

6-De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut), Stanley Kubrick, EUA, 1999

7-Os Filhos da Noite (They Live by Night), Nicholas Ray, EUA, 1949

8-Lenda dos Beijos Perdidos (Brigadoon), Vincente Minnelli, EUA, 1954

9-O Leopardo (Il Gattopardo), Luchino Visconti, ITA, 1963

10-Muriel (Muriel), Alain Resnais, FRA, 1963

11-Os Muros do Desespero (La Tête contre les Murs), Georges Franju, FRA, 1959

12-Roma, Cidade Aberta (Roma, Città Aperta), Roberto Rossellini, ITA, 1945


Se não podem ver tudo então não percam pelo menos Visconti, Rossellini, Fellini, Kubrick, Mizoguchi e Lang, por esta ou outra ordem.


Nota: A imagem é de “O Túmulo Índio” (Das Indiche Grabmal), de Fritz Lang, ALE, 1959, no seu regresso à Alemanha natal, depois do exílio nos EUA, para escapar ao nazismo. A obra é exibida também este mês.

"A penúltima obra de Fritz Lang foi o chamado “díptico indiano”, que apresentaremos em duas sessões consecutivas: DER TIGER VON ESCHNAPUR e DAS INDISCHE GRABMAL. Ao regressar ao cinema alemão, depois de uma ausência de vinte e sete anos, Lang retomou um projeto de juventude, bastante próximo das aventuras folhetinescas que estiveram na origem de algumas das suas obras-primas mudas, como DIE SPINNEN e MABUSE, DER SPIELER. Nesta extravagante história filmada em Eastmancolor, um jovem arquiteto europeu chamado por um marajá para construir um túmulo, apaixona-se por uma dançarina sagrada e acaba por fugir com ela. Mais uma vez, Lang demonstra a preponderância da mise en scène sobre a trama narrativa. “Estamos num mundo de volumes, de luzes e de cores, em que a luta se trava tanto entre os sentimentos como entre as formas” (João Bénard da Costa). 
(no programa da Cinemateca, de Dez2013)