Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

EM DIRECÇÃO AOS CÉUS


EM DIRECÇÃO AOS CÉUS

de Ödön von Horváth (Susak, Fiume, Império Austro-Húngaro, 8-Dez-1901 – Paris, 1-Jun-1938)

Eu ainda não tinha 6 meses quando Horváth morreu aos 36 anos. Caminhava nos Campos Elísios, em Paris, e subitamente abate-se sobre a cidade uma tempestade e uma grande árvore cai, subterrando alguns transeuntes. Um deles era o escritor, que teve morte imediata. Uma ocorrência fatal que parece saída da imaginação fértil do próprio Horváth. 

Se falo nisto é porque desconhecia os pormenores, que li nos textos da Companhia de Teatro de Almada, relativos aos espectáculos que sobem à cena. E julgo que a maioria dos meus amigos facebookianos também o desconheceria.

Horváth levou quase toda a sua vida em luta, pelo menos nas suas obras, contra as injustiças da sociedade em que viveu, acabando por assistir horrorizado à ascensão dos nazis no país que considerava seu, pelo nascimento e pela língua, a Alemanha. Mais tarde, perseguido por eles, viria a considerar-se um apátrida e assistido aos “autos de fé” que os nazis fizeram aos seus livros (e aos de muitos outros grandes autores), queimando-os na praça pública, ainda antes de começarem, numa nova inquisição, a queimar seres vivos nos fornos crematórios de Auschwitz e de mais umas dezenas de campos de concentração e extermínio na Alemanha e nos países ocupados. Horváth já não assistirá todavia a essa fase terrível da vida no seu país e em grande parte da Europa ocidental.

Esta peça, escrita em 1934, pertence já à última fase da obra do escritor, em que ele utiliza um humor, quase sempre cáustico, para apontar também os ridículos dos nazis e dos seus apoiantes e mentores, abandonando o retrato, nu e sem ilusões, de obras anteriores, como por exemplo “Fé, Esperança e Caridade”, onde Luísa Cruz era magnífica no papel de uma das heroínas de Horváth que não sobrevivem numa sociedade que o escritor descreve com muito pessimismo. Peça que havíamos visto representada num excelente tele-filme e agora fomos rever, realizado no início dos anos 90, pela RTP, ainda a Televisão Pública não havia descido aos níveis inacreditavelmente baixos do ponto de vista cultural, como aqueles a que assistimos agora, retrato aliás do estado do país a que chegámos e dos seus desgovernantes, os tais “cratinos”, arrivistas e medíocres sem remédio, que urge erradicar. 

A encenação de Rodrigo Francisco, para a Companhia de Teatro de Almada, com a magnífica colaboração de toda a companhia, onde para além do trabalho dos actores é justo destacar a cenografia de Jean-Guy Lecat, agradou-nos muito, por sublinhar, julgo que muito bem, as intenções do autor. 

Imaginando um S.Pedro (André Gomes) e um Diabo (Luís Vicente) cujas semelhanças são muitas. Levando-nos a crer que, no “céu” ou no “inferno”, seriam facilmente alternativa um do outro. Embora o inferno represente para Horváth a Alemanha dos nazis, os seus guardiões do céu talvez representem a complacência com que os políticos burgueses assistiram à ascensão de Hitler, apadrinhado pelo grande capital germânico. 

Horváth já não chegou a assistir, embora o receasse, no que tudo isto veio a desembocar: uma guerra mundial e muitos milhões de mortos.

Mas ao contrário de peças anteriores, nesta há ainda uma esperança para Horváth, ao juntar, na Terra, finalmente um par feliz, a cantora (Ana Cris) que, a partir de certa altura, recusa vender-se e o aparentemente desajeitado assistente de realização (Duarte Guimarães) , que tinha sido recambiado para a Terra, por S.Pedro achar que não tinha lugar no céu, mesmo depois duma passagem pelo purgatório.



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