Cultura!

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OBJECTIVOS

Estes textos são uma mera justificação de gosto, dirigida em primeiro lugar aos amigos, e não são crítica de cinema, muito menos de teatro ou arte em geral... Nos últimos tempos são maioritariamente meros comentários que fiz, publicados principalmente no facebook ou no correio electrónico, sempre a pensar em primeiro lugar nos amigos que eventualmente os leiam.
Gostaria muito de re-escrever os textos, aprofundando as opiniões, mas o tempo vai-me faltando...
As minhas estrelas (de 1 a 5), quando as houver, apenas representam o meu gosto em relação à obra em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente. Gostaria de ver tudo o que vale a pena, mas também não tenho tempo...

sábado, 30 de janeiro de 2010

PREFERÊNCIAS DE 2009 - "Revolutionary Road", de Sam Mendes

“REVOLUTIONARY ROAD”, de Sam Mendes (EUA), ***** (5)
(visto em 4-Fev-09)

Esqueçam por agora os badalados Danny Boyle (com o controverso “Slumdog Millionaire”, na sua procura do miserabilismo, segundo alguns), David Fincher (“O Estranho Caso de Benjamim Button”) e Gus Van Sant (“Milk”), ou o empolado Clint Eastwood (“A Troca”) (voltaremos a eles quando houver oportunidade) e concentremo-nos no mais importante, em termos de Cinema, das estreias recentes, ou seja no extraordinário novo filme de Sam Mendes (1965, Reading, Berkshire, Inglaterra), baseado num romance homónimo (título  duma edição em português “A Janela Panorâmica”), escrito em 1961 por Richard Yates (1926, Yonkers, NYC- 1992).
Depois da surpreendente e magnífica obra de estreia, “American Beauty”, este inglês, de ascendência portuguesa, volta a realizar uma obra brilhante. Há quem classifique o filme de “sublime” (JL no DN) e eu quase não desdenharia utilizar o adjectivo.
Uma angustiante visão sobre a vida da classe média norte-americana, nos subúrbios de Nova Iorque, anos 50 do século XX, sobre a desilusão e a frustração a que o chamado “sonho americano” pode conduzir aqueles que, limitados e pouco talentosos, ingenuamente acreditam nele. “Fugir ao frustrante vazio”, refere Frank Wheeler (Leonardo DiCaprio), sobre o projecto sonhado do casal de emigrar para Paris e John Givings (magnífico Michael Shannon), o vizinho matemático que enlouquece, e quando regressa do tratamento, perdido o sentido das conveniências que os ditos “normais” respeitam em sociedade, repete, para grande escândalo, diagnosticando o mal que consome o “casal modelo”, que morava naquela casa da Revolutionary Road.
Parafraseando o sucesso comercial em que os dois actores entraram (“Titanic”), um crítico diz que se trata agora “portanto de outro tipo de naufrágio romântico”.
Uma obra de uma tensão dramática rara, que só os grandes cineastas logram (às vezes) atingir. Quase perfeito!
E magistralmente interpretado pelos dois principais actores, em especial Kate Winslet (como April Wheeler), companheira na vida real de Sam Mendes. Além claro de Michael Shannon, no pequeno mas importante papel do vizinho psicologicamente afectado.
Mas suspeito que o filme não cairá nas boas graças da crítica dominante: é demasiado cruel. Provavelmente, como Cinema, não veremos este ano muito melhor.
***** (5)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

ÁGORA, de Alexandre Amenábar

“ÁGORA”, de Alejandro Amenábar” (ESP), **** (4)
Cinema: Monumental, 15dez09

Mais um excelente filme de um dos melhores realizadores espanhóis da actualidade, autor entre outras obras dos famosos “The Others”, com Nicole Kidman e “Mar Adentro”.
Tendo como tema de fundo a intolerância, principalmente religiosa, passado em Alexandria nos finais do Império Romano (ano 391), quando o catolicismo iniciava a sua ascensão como religião dominante.
A bela Rachel Weisz tem uma magnífica interpretação no papel da astrónoma egípcia Hypatia (ou Hipatia), muito avançada no tempo, e que procura defender a famosa Biblioteca de Alexandria contra as hordas fundamentalistas que tudo querem queimar e destruir, para impor o seu novo deus.
Uma obra de uma grande actualidade e talvez por isso censurada pela ideologia dominante nos media deste país.
Há também uma bela história de amor pelo meio.
Amenábar, nascido em Santiago do Chile, em 1972, de pai chileno e mãe espanhola, veio para Espanha com um ano de idade, com os pais em fuga ao golpe fascista de Pinochet, em 1973. E confirma-se como um dos grandes cineastas espanhóis da actualidade.
Não percam.
**** (4)



15dez09
Ainda a propósito deste magnífico filme do Amenábar duas ou três coisas mais:
1-Só agora soube das palavras do nosso Nobel, a propósito desta obra: “É uma obra-prima, talvez demasiado grande para caber na cabeça de algumas pessoas”.
Ainda bem que José Saramago gostou. Eu também, considerando-o desde já um dos melhores filmes de 2009.
2-Só agora li (e senti o mesmo) que “Amenábar faz-nos pensar nos talibãs (e outros fundamentalistas religiosos) ora no Nazismo (e outras crenças de extrema-direita, quaisquer que sejam)” (Vasco Mourinha, jornal “Público”).
Não esqueçamos que Amenábar nasceu em Santiago do Chile, em 31 de Março de 1972, filho de um chileno e uma espanhola. A eleição do Governo da Frente Popular de Salvador Allende tinha sido em 4 de Novembro de 1970. Em 11 de Setembro de 1973 dá-se o golpe fascista de Pinochet.
Isto é, o cineasta nasceu naquela que foi uma das grandes esperanças democráticas na América do Sul, embora provavelmente as suas memórias sejam as que lhe foram contadas pelos seus pais desses anos de ouro (1970-1973).
Com menos de um ano de idade veio o exílio devido ao golpe fascista de Pinochet, principal responsável pelos inomináveis crimes cometidos contra a Humanidade, que se saldaram em milhares de mortos entre os elementos mais progressistas da nação chilena, crimes que tiveram o apoio do governo norte-americano e da “dama de ferro” Thatcher.
3-A admirável cientista - astróloga e matemática, e filósofa egípcia, Hypatia (370-415), filha de Theon, professor de matemática e último director da Museu de Alexandria, foi assassinada, depois de horrorosamente mutilada, por activistas cristãos, em Alexandria, por instigação do bispo cristão Cirilo (mais tarde este responsável por este e outros crimes foi considerado santo pela Igreja Católica!!).
Esta mulher é uma figura notável na luta da Ciência contra o obscurantismo religioso, mas apesar disso uma personalidade algo silenciada, o que talvez não surpreenda, por representar também a luta pela emancipação feminina. A propósito recomenda-se a utilização da Internet para conhecer melhor Hypatia (ou Hipatia) e a bibliografia a seu respeito.
Por exemplo em:


17dez09

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

ALGUNS DOS MEUS MESTRES - Parte I

(fotos perderam-se no acidente googliano. Vou procurar voltar a publicá-las)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

LEITURAS







Duas obras primas do romance policial, que convém serem lidas por ordem: "O Rosto de Um Estranho" e "Um Luto Perigoso". Escritas pela escritora londrina Anne Perry (28-Out-1938). Mais que o mistério e suspense, que em geral só se deslindam  nas últimas páginas, é o terrível retrato de uma sociedade baseada no preconceito e na desigualdade, a sociedade vitoriana da segunda metade do século XIX, que a escritora descreve magistralmente,  e nos prende irresistivelmente.
Estas duas obras fazem parte da série do inspector William Monk, acompanhado da enfermeira Hester Latterly. Uma outra série célebre da escritora, aliás adaptada com grande sucesso à TV britânica  é a do inspector Thomas Pitt e da sua esposa Charlotte.
Sem favor coloco Anne Perry ao lado dos meus escritores preferidos, no género policial - Chandler, Hammett, Highsmith, Rendell, P.D.James, McCoy, MacDonald (Ross), Himes, Goodis ou Simenon (e mais alguns...).



domingo, 24 de janeiro de 2010

2010 - IN MEMORIAM - Jean Simmons

JEAN SIMMONS (Londres, 1929 – San Diego, 2010)

Foi um dos mais belos rostos do cinema. Suponho que nenhum cinéfilo esqueceu a sua interpretação de Ofélia, na famosa adaptação de “Hamlet” (1948), realizada por Laurence Olivier. Ou a de Estella, ainda adolescente, em “As Grandes Esperanças” (1946), magnífica adaptação ao cinema, por David Lean, do romance homónimo de Charles Dickens. Ou a sua participação noutra obra-prima, o famoso “Black Narcissus” (Quando os Sinos Dobram) (1947), de Michael Powell e Emeric Pressburger.
Em 1950 foi para Hollywood, ao casar com o actor Stewart Granger (Scaramouche). Aí teve mais alguns desempenhos magníficos, de que se destacam as participações em filmes do género histórico, como a obra-prima “Spartacus”, de Stanley Kubrick ou “O Egípcio”, de Michael Curtiz. Ou ainda as suas aparições em obras de grandes cineastas, como Otto Preminger (Angel Face), George Cukor (A Actriz) e J.L.Mankiewicz (Guys and Dolls).
Divorciada, voltou a casar, com um famoso cineasta, Richard Brooks, com quem fez mais dois grandes filmes (Elmer Gantry e The Happy Ending).
A partir da década de 70, trabalhou pouco no cinema, aparecendo mais na televisão, até 2009.
Felizmente, os velhos e os novos cinéfilos, poderão continuar a vê-la para sempre, no grande ou nos pequenos ecrãs caseiros, já que ela teve a felicidade de dar o seu contributo em obras-primas que o tempo não consegue destruir – “Hamlet”, “Black Narcissus”, “As Grandes Esperanças”, “Spartacus”, “A Actriz”, “Elmer Gantry”, pelo menos!

BONS FILMES DE 2009 - O Casamento de Rachel

RACHEL GETTING MARRIED” (O Casamento de Rachel), de Jonathan Demme, (EUA), **** (4)
(visto no City Classic Alvalade, em 4-Mar-09, e nota escrita na mesma data)

Um filme norte-americano ao estilo do melhor cinema independente, de que gostamos muito. Embora realizado por um cineasta já com uma carreira relativamente longa e excelente, que começou (para nós) há muito, com um surpreendente e magnífico “Last Embrace” (1979).
Uma visão de uma “América” como gostaríamos que pudesse vir a ser. Comunhão de gentes, de culturas. Aqui em torno de uma celebração – um casamento, que laivos de tragédia vêm todavia perturbar, revelando a complicada teia de relações que a natureza humana sempre gera, e as condições sociais não poucas vezes agudizam…
Anne Hathaway (belo nome!) é brilhante na irmã (Kym) psicologicamente perturbada.
Não deixem de reparar na autoria do argumento – Jenny Lumet, filha do grande Sidney Lumet. Aliás, ele é citado, tal como o é o saudoso Robert Altman, nos agradecimentos que fecham o genérico final. São nomes dessa outra “América” de que gostamos e que desejamos que possa aparecer agora mais na ribalta, ultrapassado que está (espero) o pesadelo Bush, e com, pela primeira vez na história daquele país, um homem negro na presidência, Barack Obama (e democrata).
**** (4)
Nota actual - ainda não passou um ano e a desilusão cresce: a desejada mudança política não está a cumprir-se...

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

BONS FILMES DE 2009 - Sacanas Sem Lei

“INGLOURIOUS BASTERDS” (Sacanas Sem Lei), de Quentin Tarantino, (EUA), **** (4)

Nota à posteriori à visão do filme de Quentin Tarantino, em 25-Jan-10

"Inglourious Basterds" foi considerado o Melhor filme do Ano, nos Screen Guild Awards, prémios atribuídos pelo principal sindicato de actores de Hollywood. Sabendo que os Óscares resultam da votação dos profissionais de cinema de Holywood, este prémio torna o magnífico filme de Quentin Tarantino, um dos principais candidatos aos Óscares. (lido no "Global" de 25-Jan-10)
Outros dois principais candidatos têm sido referidos como "Hurt Locker" (Estado de Guerra) (que já vimos, mas que é apenas, em nossa opinião, um razoável filme sobre o tema) e "Avatar", de James Cameron, que ainda não vimos, porque não nos suscita grande interesse dada a estética envolvida.

Nota prévia à visão de "Inglourious Basterds"

A classificação dos críticos é curiosa – no DN, por exemplo: João Lopes ***** (5) (Máx), Eurico de Barros bola preta (0) (Mín).
Porquê? Talvez a razão esteja na frase final da crítica de João Lopes: “ (…) e a ideologia (do filme)? Essa é fácil: é antinazi.”
Posso rir-me? Vou ver assim que possa...


Mais uma “delícia cinematográfica” para os amantes da 7ª Arte.
Homenagem ao cinema de guerra, antifascista, produzido nos EUA durante o conflito que opôs o mundo ao Nazismo, entre 1939 e 1945, ou um pouco antes, se incluirmos a Guerra Civil de Espanha, de 1936 a 1938, ensaio geral dos nazi-fascistas, antes de se lançarem ao ataque no resto da Europa e noutros continentes (ataque do Japão à China).
Homenagem a Chaplin e à sua obra-prima “O Grande Ditador” (1940), que era uma sátira corrosiva ao nazismo, quando este ainda era uma séria ameaça à liberdade dos povos, o que valeu a Chaplin perseguições mesmo nos EUA, dadas as simpatias pelo fascismo entre alguns grandes patrões da indústria do cinema e alguns políticos.
Sátira à gente do cinema que “ajoelhou” perante Goebbels, como o actor Emil Jannings, que havia protagonizado a obra-prima “Blue Angel” (1930), de Josef Von Sternberg, com a famosa e fascinante Marlene Dietrich, actriz sempre anti-fascista e que por isso teve que se exilar e a quem os conservadores nunca perdoaram.
Filme anti-nazi, que, mesmo alterando a verdade histórica e pondo os “basterds” a fazer escalpes aos nazis, ou gravando-lhes a cruz suástica na testa, como vingança contra as atrocidades cometidas, o que só termina na derradeira cena do filme, quando idêntico tratamento é dado ao agente-mor das SS, especialista em capturar judeus (magnífica interpretação do austríaco Christoph Waltz, que lhe valeu o prémio de interpretação masculina em Cannes 2009), e põe o estado maior nazi, incluindo Hitler e Goebbels, a morrerem como ratos, num cinema parisiense em chamas, durante a estreia de uma produção da UFA, e sob as balas dos “basterds”, é de não perder.
Claro que o papel determinante do Exército Vermelho e do povo soviético, na derrota nazi, resistindo e rechaçando a invasão da URSS e perseguindo depois as tropas germânicas até Berlim, e a Resistência, em França e nos outros países ocupados, muitas vezes liderada pelos comunistas, não existem na obra. E é necessário que não sejam esquecidas. O único receio é que algumas mentes ignorantes venham a tomar a ficção por realidade. E pensem que tudo se deveu aos “basterds” (estes ou outros), made in USA…
Para não tornar muito longa esta nota, só uma pergunta aos linguistas, sem querer fazer humor (só um bocadinho…): alguém sabe a razão dos erros ortográficos do título original, ou serão resultantes de algum acordo ortográfico em perspectiva (como se isso fosse possível com a língua inglesa e com os ingleses!).
**** (4)

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

TOP 20 DA PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXI (2001-2010)



TOP 20 - PRIMEIRA DÉCADA DO SÉCULO XXI – 2001-2010

TOP 20
2001-2010

Título original
Título português
Realizador
Graine et le Mulet (La)
Segredo do Cuscuz (O)
Abdellatif Kechiche (FRA)
Glaneurs et la Glaneuse (Les)
Respigadores e a Respigadora (Os)
Agnès Varda (FRA)
Honnor de Cavalleria
Honra de Cavalaria
Albert Serra (ESP)
Life is a Miracle
Vida é um Milagre (A)
Emir Kusturica (JUG)
Good Night and Good Luck
Boa Noite e Boa Sorte
George Clooney (EUA)
Saraband
Sarabanda
Ingmar Bergman (SUE)
Filme Falado (Um)
Filme Falado (Um)
Manoel de Oliveira (POR)
Kamchatka
Kamchatka
Marcelo Pyñero (ARG)
Public Enemies
Inimigos Públicos
Michael Mann (EUA)
Vera Drake
Vera Drake
Mike Leigh (GBR)
Lady Chartterley
Lady Chartterley
Pascale Ferran (FRA)
Abrazos Rotos (Los)
Abraços Desfeitos (Os)
Pedro Almodóvar (ESP)
Nightwatching
Ronda da Noite
Peter Greenaway (GBR)
Gosford Park
Gosford Park
Robert Altman (EUA)
Hunger
Fome
Steve McQueen (GBR)
Che
Che
Steven Soderbergh (EUA)
New World (The)
Novo Mundo (O)
Terence Malick (EUA)
Sweeney Todd
Sweeney Todd
Tim Burton (EUA)
Melinda and Melinda
Melinda e Merlinda
Woody Allen (EUA)
Maldição da Flor Dourada (A)
Maldição da Flor Dourada (A)
Zhang Yimou (RPC)

Escolher apenas 20 entre os 10 x 10 Filmes Preferidos de uma década, não é tarefa fácil. Esta é uma visão muito pessoal onde, por razões óbvias, não repeti obras do mesmo realizador.
Ao comparar com outras listas já conhecidas, embora ainda falte um ano para o final desta década, verifico que as coincidências são poucas – Bergman, claro, Altman, também e Malick, a fechar o trio de três dos magníficos deste período (até agora). Almodóvar também não falha, embora em obras diferentes.
Vejamos se 2010 obrigará a fazer alguma alteração à minha lista. Há outros cineastas de que gosto muito e com obras magníficas mas que não tive espaço para considerar – Resnais, Desplechin, Ruiz, Scorsese, Coppola, Spike Lee, Polanski, Zhang-Kee, Eyre, Sam Mendes e mais alguns - entre eles, alguns portugueses, Teresa Villaverde, Pedro Costa, Fernando Lopes e João César Monteiro.

A propósito, a mais célebre lista do “TOP TEN filmes preferidos de sempre”, continua a ser a da famosa revista de cinema britânica, “SIGHT AND SOUND”, que já o faz desde há algumas décadas (meados do século XX), recolhendo os gostos de um número significativo de personalidades da Sétima Arte, de realizadores a críticos conhecidos. A próxima lista surgirá, esperamos, no início de 2012. Também interessante para perceber como vai evoluindo o gosto ao longo do tempo, a que não são alheios certos fenómenos de moda.


quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Balanço de 2009 - Cinema, Teatro e outros eventos

BALANÇOS

Atenção! As estrelas (de 1 a 5)representam apenas o meu nível de gosto em relação às obras em causa, e nunca uma apreciação global da sua qualidade, para a qual não me sinto com competência, além da subjectividade inerente.

(1) -BALANÇO DAS ESTREIAS DE QUE MAIS GOSTEI, em 2009

1.1.1 CINEMA ESTRANGEIRO (FICÇÃO):

O PREFERIDO:
_“CHE ”, de Steven Soderbergh, (EUA), ***** (5)

E a seguir:
_”LOS ABRAZOS ROTOS”, de Pedro Almodóvar (ESP), **** (4)

E depois :
_“VICKY CRISTINA BARCELONA”, de Woody Allen, (EUA), **** (4)
_“REVOLUTIONARY ROAD”, de Sam Mendes, (EUA), ***** (5)
_"LES PLAGES DE AGNÈS”, de Agnès Varda (FRA), ***** (5)
_“PUBLIC ENEMIES” (Inimigos Públicos), de Michael Mann (EUA), ***** (5)
_“CANTO DOS PÁSSAROS (O)”, de Albert Serra (ESP), ***** (5)
_“CONTE DE NOËL (UN)”, de Arnaud Desplechin (FRA), ***** (5)
_“TWO LOVERS” (Duplo Amor), de James Gray (EUA), **** (4)
_« ÁGORA », de Alejandro Amenábar (ESP), **** (4)
_"TETRO", de Francis Ford Coppola (EUA), **** (4)

E ainda :
_“HAPPY-GO-LUCKY” (Um Dia de Cada Vez), de Mike Leigh (GBR), **** (4)
_“CASAMENTO DE RACHEL (O)” (Rachel Getting Married), de Jonathan Demme (EUA), **** (4)
“PARLEZ-MOI DE LA PLUIE” (Deixa Chover), de Agnès Jaoui (FRA), **** (4)

A SURPRESA DE 2009:
_“VISITOR (THE)” (O Visitante), de Thomas McCarthy (EUA), **** (4)

1.1.2 CINEMA DOCUMENTAL ESTRANGEIRO

Os PREFERIDOS:
_“MARADONA BY KUSTURICA”, de Emir Kusturica (ESP/FRA), ***** (5)
_”OF TIME AND THE CITY”, de Terence Davies (GBR), ***** (5)
_“CAPITALISM, A LOVE STORY”, de Michael Moore (EUA), ***** (5)

1.2.1 CINEMA PORTUGUÊS (FICÇÃO):

O PREFERIDO:
_“UM AMOR DE PERDIÇÃO”, de Mário Barroso, **** (4)

Mas não esquecer:
_“VENENO CURA”, de Raquel Freire, *** (3)
_“SINGULARIDADES DE UMA RAPARIGA LOURA”, de Manoel de Oliveira, **** (4)
_“FELICIDADE” (cm), de Jorge Silva Melo, **** (4)
_“4 COPAS”, de Manuel Mozos, ** (2)
_“OS SORRISOS DO DESTINO”, de Fernando Lopes, **** (4)

1.2.2 CINEMA PORTUGUÊS (DOCUMENTAL)

O PREFERIDO:
_“48”, de Susana Sousa Dias, ***** (5)

E depois:
_“RUAS DA AMARGURA”, de Rui Simões, ***** (5)
_“NE CHANGE RIEN”, de Pedro Costa, **** (4)

E ainda:
_“DUNDO, MEMÓRIA COLONIAL”, de Diana Andringa, **** (4)

2 -BALANÇO DOS DEZ EVENTOS QUE MAIS ME IMPRESSIONARAM, em 2009

OS PREFERIDOS NO TEATRO:

_“AS CRIADAS”, de Jean Genet, encenada por Luc Bondy, para a “Volksbühne” (Teatro do Povo), da Praça Rosa Luxemburgo, Berlim, FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA, (ALE), **** (4)
_“COMÉDIA MOSQUETA”, de Ângelo Beolco (Ruzante), encenação de Mário Barradas, para a CTA, Encerramento do FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA, ***** (5)

O PREFERIDO NA MÚSICA:

_“ARY SEMPRE!”, com Carlos do Carmo e Bernardo Sassetti, Coliseu, ***** (5)

O PREFERIDO NAS EXPOSIÇÕES:

_“KORDA CONHECIDO, DESCONHECIDO”, exposição na Cordoaria Nacional, Lisboa, ***** (5)

E ainda

_“ACAMARRADOS”, (Bedbound), de Enda Walsh, Artistas Unidos, no TMA, ***** (5) (embora seja de 2008)
_“TRABALHO DE CAMPO”, de Jochen Lempert, Exposição de Fotografia na CULTURGEST, **** (4)
_“A EVOLUÇÃO DE DARWIN”, Exposição na Fundação Gulbenkian, ***** (5)
_"A CASA DAS HISTÓRIAS de PAULA REGO", em Cascais, ***** (5)
_“UMA LONGA JORNADA PARA A NOITE”, de Eugene O’Neill, encenação de Rogério de Carvalho, para a CTA, **** (4)
_“O DOIDO E A MORTE”, Teatro e Ópera, Raul Brandão e Alexandre Delgado, encenações de Joaquim Benite para a CTA, **** (4)
_“EDUARDO GAGEIRO no MUSEU DA CARRIS”, Exposição de Fotografia, ***** (5)
_“DEUS COMO PACIENTE”, de Conde de Lautréamont, encenação de Matthias Langhoff, (FRA), FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA, **** (4)
_“CONTRACÇÕES”, de Mike Bartlett, encenação de Solveig Nordlund, FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA, **** (4)
_“A BICICLETA DE FAULKNER”, de Heather McDonald, enc. Rita Lello, **** (4)
_“GOOD MORNING; MR. GERSHWIN”, de José Montalvo e Dominique Hervieu (FRA), ***** (5)

3 -ACTRIZES & ACTORES (em CINEMA) ***** (5) (as interpretações de que mais gostei)


OS PREFERIDOS:
_Penélope Cruz, em “VICKY CRISTINA BARCELONA” e “LOS ABRAZOS ROTOS”
_Kate Winslet, em “REVOLUTIONARY ROAD” e “READER (THE)”
_Johnny Deep, em “PUBLIC ENEMIES”
_Rachel Weisz, em “ÁGORA”
_Joaquin Phoenix, em “TWO LOVERS”
_Benicio Del Toro, em “CHE”

E ainda:

_Sally Hawkins, em “HAPPY-GO-LUCKY”
_Anne Hathaway, em “CASAMENTO DE RACHEL (O)”
_Richard Jenkins, em “THE VISITOR”
_Julia Roberts, em “FIREFLIES IN THE GARDEN”
_Chiara Mastroianni, em “UN CONTE DE NOËL”
_Catherine Deneuve, em “UN CONTE DE NOËL”
_Mathieu Amalric, em “UN CONTE DE NOËL”
_Gwyneth Paltrow, em “TWO LOVERS”
_Lluis Homar, em “LOS ABRAZOS ROTOS”
_Matt Damon, em “O DELATOR”

4. FESTIVAIS

Cito os que acho MELHORES, referências indispensáveis na CULTURA deste país:

___FESTIVAL INTERNACIONAL DE TEATRO DE ALMADA
___FESTA DO AVANTE (e com muita pena minha, não pude assistir em 2009, devido a problemas de saúde, aos melhores espectáculos)
___DOCLISBOA




INDIGNAÇÃO DO ANO: a prisão do Roman Polanski, na Suiça, com pretexto nas perseguições de que é alvo nos EUA há várias décadas, numa hipocrisia sem fim!

ESPERANÇA DO ANO: a nomeação da Maria João Seixas para Directora da Cinemateca Nacional



BALANÇOS DE ANOS ANTERIORES - ver em http://brancoev.blogs.sapo.pt

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

CANÇÕES DE BRECHT

"CANÇÕES DE BRECHT", estreado no FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA, com Luís Madureira e Teresa Gafeira e, ao piano, Jeff Cohen, ***** (5)

Recupero o texto escrito em 14-Jul-08, durante o 25º festival de Teatro de Almada, num ano particularmente brilhante pela qualidade de alguns espectáculos, entre os quais o inesquecível "PEER GYNT", de Ibsen, encenado por Peter Zadek, para o Berliner Ensemble, na primeira vez que ouvi, e vi, este extraordinário "CANÇÕES DE BRECHT, da CTA (Companhia de Teatro de Almada), a que se juntou posteriormente o pianista Bernardo Sassetti, um dos grandes valores da nova geração.
Confesso a grande vontade em rever, conjugando com a indispensável visão de "A MÃE", a peça de Bertold Brecht, baseada no famoso romance homónimo de Máximo Gorki, e encenada por Joaquim Benite, para a CTA.
Um daqueles momentos mágicos que o Festival de Teatro de Almada quase sempre nos oferece, que desta vez nos deixou siderados pela beleza das canções (de Bertold Brecht e dos compositores que as musicaram - Kurt Weil, principalmente) e a qualidade dos intérpretes. Não sendo melómano, gostava de saber se a opinião dos conhecedores vai no mesmo sentido que a minha quanto à qualidade das vozes.
Na sala experimental, para que não se perdesse a fortíssima ligação aos espectadores, sala que se presta, pelas suas características, a algo de muito particular, onde temos visto alguns espectáculos de teatro de grande qualidade e emoção, que nos parece, uma vez terminados, só ali poderem acontecer com aquela intensidade...
Quando reposto este "Canções de Brecht", se puderem não faltem em caso algum!
***** (5)

domingo, 17 de janeiro de 2010

2010 - IN MEMORIAM - Eric Rohmer


IN MEMORIAM - ERIC ROHMER (Nancy, 1920 – 2010)


Imagem do seu derradeiro filme "Astreia e Celadon" (Les Amours d'Astrée et de Céladon) (2007)



Ficou célebre, principalmente, pelos seus ciclos: “Seis Contos Morais” (1963-1972), “Comédias e Provérbios” (1981-1987) e “Contos das Quatro Estações” (1990-1998), 16 filmes ao todo. O resto da obra, embora estimável, não foi, em minha opinião, tão conseguida, revelando até, no seu final, algum conservadorismo. No entanto, naquele citado núcleo principal, tem algumas obras extraordinárias e inesquecíveis, em que sob a aparência de uma certa frivolidade, foi fundo na descrição das relações humanas, muito através do diálogo, apesar de deixar de lado as grandes motivações cívicas e sociais dos seus personagens. Houve até quem, estupidamente em minha opinião, lhe tivesse chamado racista (por pudor omito o nome do crítico, aliás português).
Foi também um admirável director de actores, quase todos desconhecidos, mas que com ele, representarem como nunca. Descreveu, em minha opinião, admiravelmente o universo feminino ou como o costumamos imaginar... E quase toda a sua obra tem um subtil erotismo, que a torna ainda mais sedutora.
Foi um autor multipremiado – em Berlim, Veneza e Cannes.
Inicialmente foi crítico de cinema nos bons tempos dos “Cahiers du Cinéma”, na época em que outros grandes cineastas também colaboraram na revista, como Truffaut. Rohmer foi chefe de redacção da famosa revista, de 1957 a 1963. Em 1950 fez a sua primeira curta-metragem e em 1959 o primeiro filme, “Le Signe du Lion”.
Entre as minhas obras preferidas cito “A Minha Noite em Casa de Maud” (1969), “O Joelho de Claire” (1970), “L’Amour, L’Après-Midi” (1972), “A Mulher do Aviador” (1980), “Paulina na Praia” (1983), “Raio Verde” (1986), este baseado em Júlio Verne e os Contos (de Primavera, Inverno, Verão e Outono)!

MEMÓRIA - I -

"A COMUNA DE 1871", de Peter Watkins (GBR/FRA), ***** (5)

Obra-prima do mestre inglês. Quando será que a veremos nos ecrãs portugueses? Chegou a ver-se há alguns anos, mas fora de horas, no Canal 2, apenas para os informados, que esperaram pela madrugada ou puseram os gravadores a funcionar (como eu). Tanto quanto saibamos as obras de Peter Watkins nunca foram exibidas no nosso país. Nem no DOCLISBOA nem na Cinemateca.


HOMENAGEM - MASSIMO TROISI (1953-1994)

Ao precocemente desaparecido e carismático actor italiano, uma homenagem do INSTITUTO ITALIANO DE CULTURA, que espero que não vos tenha escapado. Relembremos apenas o seu desempenho (e infelizmente o último) em “O CARTEIRO DE PABLO NERUDA” (“Il Postino”), de 1994, o belíssimo filme do inglês Michael Radford, homenagem ao inesquecível poeta, baseado no romance do escritor chileno António Skármeta.


FRANJU

"La poésie de Franju, qui signera peu après son chef-d’œuvre, « Les Yeux Sans Visage », alliée au réalisme populaire de Mocky, provoque une alchimie rare, sur un sujet qui ne l’est pas moins (« La Tête contre les Murs »)" (Alexandre Fache, L’Huma)
Ainda bem que alguém ainda se lembra de Georges Franju, um Poeta do Cinema!


(escrito em abril de 2009)

PREFERÊNCIAS DE 2009 - "Happy-Go-Lucky"

“HAPPY-GO-LUCKY” (Um Dia de Cada Vez), de Mike Leigh, (GBR), ****(4)

Não sendo, aparentemente, uma das grandes obras de Mike Leigh, é uma comédia realista, brilhantemente interpretada por Sally Hawkins (grande prémio em Berlim e honras de capa na incontornável revista de cinema, Positif), no papel da jovem educadora (Poppy Cross), que tenta encarar a vida pelo lado positivo, mesmo quando ela é suficientemente amarga para às vezes desanimar o mais resistente.
A sociedade britânica, com todo o seu cinzentismo actual, é apenas entrevista através de meia dúzia de personagens, sofredoras, insatisfeitas, frustradas e de um pano de fundo social, que intuímos mais do que vemos.
Mas, como sempre, uma belíssima direcção de actores, faz-nos amar este filme simples, com meia dúzia de sequências brilhantes – o encontro com o vagabundo (momento ímpar!), a aula de flamenco, a ida ao fisioterapeuta, o encontro amoroso com o amigo, a última lição de condução, etc.
A obra abre e fecha com outras duas cenas admiráveis: a ida da protagonista para o emprego, através do bairro de Camden, em Londres, numa bicicleta (que todavia acabará roubada), e o passeio de barco, na Serpentina do Hyde Park, das duas amigas, Poppy e Zeo (“um final de tonalidade woody-alleniana” (Faubien Baumann) ).
E para quem conhece Londres, reconhece o muito popular, embora pouco bonito, bairro de Camden Town, com as estações de Metro de Camden Town e Finsbury Park, por onde, em tempos idos, deambulámos à procura de livrarias (se é que alguém se lembra já disto).
Talvez convenha terminar com as palavras do próprio autor, Mike Leigh, a propósito deste filme:
“Neste início do século XXI, vivemos uma época muito dura, estamos a destruir o nosso planeta, destruímo-nos uns aos outros, o mundo está à mercê da fome e do fundamentalismo religioso; todavia, não podemos ser completamente pessimistas e ficar sentados a lamentar-mo-nos. Porque, durante este tempo, pessoas lutam no seu quotidiano e, entre elas, os educadores. São as Poppy deste mundo. Não é possível educar as crianças, sem se ser, duma certa maneira, optimista, porque assim investimos no futuro.”
Belas palavras, que me fizeram pensar na trágica situação dos Professores do país em que vivemos, desconsiderados e maltratados por um governo inacreditável, que parece ver a Educação apenas como a colocação de mais um Magalhães nalgumas carteiras escolares…
**** (4)
NOTA
Atenção! Isto foi escrito em Março de 2009, na anterior vigência no Ministério da Educação. Agora o nível dos responsáveis ministeriais é outro e viu-se luz ao fundo do túnel...
De notar que todos os textos, embora só agora aqui incluídos, foram escritos durante o período de exibição das respectivas obras.

PREFERÊNCIAS DE 2009 - "Vicky Cristina Barcelona"

“VICKY CRISTINA BARCELONA”, de Woody Allen, (EUA), **** (4)

As aventuras e desventuras de três norte-americanos em Barcelona. Quando dois deles são mulheres podem adivinhar-se as complicações…
Com dois dos mais carismáticos e melhores actores da actualidade – Javier Bardem e Penélope Cruz, que por acaso são espanhóis (não é só no desporto que os espanhóis estão a dar cartas). Nenhum dos dois, como é óbvio, faz parte do trio, mas ajuda à “confusão”. Mas as duas norte-americanas são representadas por uma sueca (Scarlett Johansson, a encantadora musa dos últimos filmes do cineasta, como Cristina) e uma inglesa (Rebecca Hall, como Vicky)!
Outro brilhante divertimento, mas que tem mais que se lhe diga, sobre o relacionamento humano, nomeadamente sobre o amor, de Woody Allen, um homem inteligente, irónico e culto, que não cessa de nos surpreender. Desta feita ele também “troça” do puritanismo e materialismo primários (este no sentido de os bens materiais serem, para muita gente, os únicos que interessam) tão presentes na sociedade americana, através das aventuras de duas jovens, que atravessam o Atlântico para passar uma temporada numa das mais simpáticas e bonitas capitais europeias – Barcelona.
Continua a dar vontade de, assim que acaba a sessão, não nos levantarmos e ficarmos para a sessão seguinte.
Por isso, por favor, não percam.
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sábado, 16 de janeiro de 2010

TEATRO VISTO EM 2009 - XII - A Bicicleta de Faulkner

“A BICICLETA DE FAULKNER”, de Heather McDonald, encenação de Rita Lello, para “A BARRACA”, **** (4)

Fazendo jus ao lema “um teatro que não se demita da sua natureza social e humana” (Mário Barradas), a companhia de Hélder Costa e Maria do Céu Guerra, prossegue a excelência do seu reportório, que a tornam uma das mais interessantes do panorama teatral português.
Agora trata-se de uma peça que trata da ambiência social do Sul dos Estados Unidos, que conhecemos principalmente da literatura, do cinema e do teatro. E, parece-nos, que muito bem conseguida, para além do tema de muita actualidade que é a doença de Alzheimer, que a todos nos preocupa a partir certa idade e de que a magistral interpretação de Maria do Céu Guerra, nos faz sentir a evolução, às vezes com a sua tragédia quase cómica.
Algumas das cenas estão extraordinariamente bem representadas, conseguindo atingir emocionalmente os espectadores. Em especial as protagonizadas pelo par Faulkner (Sérgio Moura Afonso) / Claire (Rita Fernandes), que nos apresentam o grande escritor (Oxford, Mississipi – 1897, 1962) como existe no nosso imaginário.
Injusto seria não citar Jett (Susana Costa), a irmã que regressa à casa natal.
Uma palavra ainda para a música de Bernardo Sassetti e o bem conseguido cenário de Miguel Figueiredo, conseguindo admiravelmente que tudo se passe num cenário único.
Um belíssimo espectáculo de teatro, que não se deve perder, quando for reposto.
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EXPOSIÇÕES EM 2009 - Korda

“KORDA CONHECIDO, DESCONHECIDO”, curadoria de Cristina Vives, na Cordoaria Nacional, na Junqueira, Lisboa, até 31 de Janeiro de 2010, ***** (5)

Extraordinária e imperdível exposição de, e sobre, o famoso fotógrafo cubano Alberto Korda, de seu nome completo Alberto Díaz Gutiérrez (Havana, 1928 – 2001), autor de “a foto mais reproduzida da História da Fotografia” e de “a obra mais reproduzida da História da Arte Ocidental logo a seguir à Gioconda de Leonardo Da Vinci”, a que fez a Che Guevara, em 5 de Março de 1960, pouco mais de um ano depois da vitória da Revolução Cubana, no funeral das 136 vítimas do atentado terrorista a um barco belga que trazia armamento para os revolucionários cubanos. Foto que se tornou um símbolo dos Revolucionários para os povos de todo o mundo.
Korda afirmava, referindo-se à arte de fotografar, e servindo-se de palavras de um personagem do célebre conto “O principezinho”, do escritor francês Antoine de Saint Exupery, que “Só se vê com o coração. O essencial é invisível para os olhos”.
Korda tornou-se um dos grandes fotógrafos da Revolução Cubana e através dos seus trabalhos apercebemo-nos da enorme aventura revolucionária de Fidel e dos seus companheiros, para triunfar e levar a Liberdade a Cuba, até então local de férias dos milionários norte-americanos, com os seus hotéis, casinos e boites de grande luxo, enquanto o explorado povo cubano vivia miseravelmente. E apercebemo-nos através das suas fotos do enorme apoio popular, única maneira de a Revolução triunfar e permanecer, apesar de todas as sabotagens e atentados terroristas. Nesse aspecto são impressionantes as manifestações populares de apoio à Revolução que Korda admiravelmente fotografou.
Fiel aos seus princípios durante toda a vida, Korda é um exemplo admirável do intelectual socialmente empenhado.
Há um aspecto curioso referido na exposição. Em 8 de Janeiro de 1959, dia da tomada do poder pelos revolucionários, Korda tinha 30 anos, a mesma idade da maioria dos líderes rebeldes, vivia em Havana, trabalhava como fotógrafo e não tinha barba. Pouco depois deixou-a crescer e cultivou-a até à morte. A barba ficava-lhe bem e ele sabia-o, dizem…
Além da Revolução, dos seus líderes e das massas populares, fotografou principalmente a Mulher, cubana em especial, admirador como era da beleza feminina. Mas também fez, durante muitos anos, fotografia submarina para a Academia das Ciências de Cuba.
No pequeno filme que acompanha a exposição (18’) (e não deixem de ver!) Korda conta o episódio comovente da “menina da boneca de pau”, que deu origem a uma das suas mais famosas fotos e refere também o episódio, que nos anos da ditadura de Baptista lhe fez aumentar a consciência social, a da mulher com os seus filhos pequenos ao colo, que ele via pedindo nas ruas, perto do seu local de trabalho.
Tudo isto nos leva a uma grande sintonia e principalmente admiração por este grande fotógrafo cubano.
Existe um excelente catálogo, em espanhol com o mesmo título da exposição daqui, embora o título em inglês seja bem mais interessante “Korda, A Revolutionary Lens”, que pessoalmente gostaria muito de possuir.
Claro que se trata apenas de uma pequena parte da enorme obra de Korda, cujo acervo é propriedade do governo cubano, de acordo aliás com a vontade expressa do artista (referido na exposição).
Aguardamos agora a visão do magnífico documentário “Kordavision”, cuja exibição está prevista no nosso país, para além da esporádica (e silenciada) passagem pela RTP2, que apanhámos parcialmente por mero acaso, no meio de um zapping…
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MÚSICA OUVIDA EM 2009 - Ary Sempre

“ARY SEMPRE!”, ***** (5)

Um espectáculo inesquecível no Coliseu de Lisboa, em 4 de Dezembro de 2009, com a sala esgotada.
Que ficará na memória de quem a ele assistiu, tal como já acontecera na mesma sala, no longínquo 29 de Janeiro de 1983, no grande e último concerto de José Afonso. Ou mesmo, recuando um pouco mais, ainda antes do 25 de Abril, e também nesta sala de grandes tradições, no concerto intimista do cantor basco Patxi Andion, de quem gostávamos muito nesses tempos sombrios.
Concertos únicos, irrepetíveis pela sua especificidade e qualidade, aos quais tivemos a sorte e a felicidade de termos assistido.
Com a presença de Carlos do Carmo, indiscutivelmente o maior intérprete das canções dos poemas de José Carlos Ary dos Santos, magnificamente acompanhado pelos músicos Ricardo Rocha (guitarra portuguesa), Carlos Manuel Proença (viola) e Fernando Araújo (baixo), e ainda a participação especial do novel e excepcional pianista Bernardo Sassetti que, relembremos, havia já participado no projecto “Novo Homem na Cidade”, em 2004, com outros intérpretes, muitos dos grandes nomes actuais do Fado, de Mariza a Camané, entre vários outros, portugueses, cabo-verdianos e brasileiros.
Sobre o Poeta (Lisboa, 1936 – 1984), “O Poeta da Revolução de Abril”, relembrar apenas que é só um dos nossos maiores poetas, também com a qualidade maior e muito rara de conseguir chegar de maneira directa aos seus leitores (ou ouvintes dos seus poemas musicados), sem que para isso tivesse que abdicar da enorme qualidade e lirismo na sua obra. Como Neruda.
Relembremos, para além da discografia, a “Obra Poética” e “As Palavras das Cantigas”, nas “Edições Avante!”, que reúnem grande parte da obra do poeta, e a belíssima edição de “Foto-grafias”, com fotografias de Nuno Calvet, edição Quadrante, de 1970, que terminava com o “Retrato do Herói”,
“Herói é quem num muro branco inscreve
O fogo da palavra que o liberta:
Sangue do homem novo que diz povo
E morre devagar de morte certa
(…)
Momentos altos deste concerto foram, claro, as obras-primas “Um Homem na Cidade” (música de José Luís Tinoco), “Estrela da Tarde” (música de Fernando Tordo) ou “Os Putos” (música de Paulo de Carvalho), este acompanhado em coro pelo público, tal como em outras canções. E o momento único e vibrante do início com a projecção de um filme feito para a televisão, onde o poeta dizia um dos seus mais célebres poemas políticos, “As Portas Que Abril Abriu” (1975), que existe publicado em DVD, também pelas “Edições Avante!”.
No final os artistas foram longamente aplaudidos de pé.
A organização do espectáculo foi do Partido Comunista Português, a quem o poeta deixou os direitos da sua obra.
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TEATRO VISTO EM 2009 - XI - Contracções

“CONTRACÇÕES” (Contractions), de Mike Bartlett, encenação de Solveig Nordlund, **** (4)

Depois do Instituto Franco Português, durante o Festival Internacional de Teatro de Almada, agora o Teatro Municipal de Almada, Sala Experimental, onde este texto actualíssimo, que critica o absurdo a que se chegou nas relações laborais, num mundo dominado pela ideologia neoliberal, em que, em nome do aumento da produtividade, as empresas procuram controlar as relações entre os seus trabalhadores, tentando condicionar até a sua própria vida sexual, foi representado!
Mike Bartlett, nascido em 1980, em Inglaterra, não é meigo na crítica! Embora se trate (em princípio) de uma caricatura da realidade, quem trabalhe (ou tenha trabalhado) em certas grandes empresas ou multinacionais, sabe que ela não é tão afastada da realidade quanto os ingénuos poderiam pensar. Infelizmente conheci gente, em cargos de chefia, capaz de aplicar estes métodos, se a tal fossem sugestionados pelos patrões ou administradores, e alguns fizeram-no em muitos aspectos, ainda no início das directrizes neo-liberais, durante o período cavaquista.
O novo código de trabalho, recentemente concebido e aprovado pelo governo Sócrates, com o seu acólito Vieira da Silva, sem atender ao massivo protesto dos trabalhadores e das suas organizações (que este tipo de gente, como os actuais governantes e os Belmiros e Cª, incluindo alguns amigos dos patrões e falsos defensores dos trabalhadores, tenta desesperadamente desvalorizar, e não é de mais lembrar o paradigmático caso da Auto-Europa e de como esse tipo de gente tentou levar os trabalhadores à capitulação perante os interesses patronais, querendo obrigá-los a suportar a crise sobre os ombros), é um decisivo passo para se chegue rapidamente a estas aberrações, que Mike Bartlett denuncia, e que transformam seres humanos em novos escravos.
Joana Bárcia, na empregada, e Cecília Henriques, na supervisora, têm admiráveis representações, num cenário simples, mas tremendamente eficaz, de Ana Paula Rocha, cujo trabalho já conhecemos e apreciamos, desde os tempos áureos do Malaposta (Odivelas) quando o José Peixoto e o seu grupo de teatro ali trabalhavam, antes de serem “saneados” pelos novos autarcas (do PS).
Esta peça começou por ser transmitida, sob o título “Love Contract”, na BBC, passando depois aos palcos londrinos (2008), no Royal Court. O jovem autor (29 anos) é também encenador e dirige artisticamente a companhia “Shapeshifter”
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TEATRO VISTO EM 2009 - X - Comédia Mosqueta

ENCERRAMENTO com a “COMÉDIA MOSQUETA”, de Ângelo Beolco, o Ruzante (Pádua, 1496 - 1542), encenação de Mário Barradas, para o TMA, ***** (5)

Um belo encerramento do Festival Internacional de Teatro de Almada de 2009. Não só pelo magnífico espectáculo teatral, medieval, seiscentista, da Renascença Italiana, na República de Veneza, encenado por Mário Barradas, seguindo a encenação feita em 1973, com a grande actriz Fernanda Alves (Lisboa, 1930 - 2000) e Mário Jacques, para os BONECREIROS, a pedido expresso do Director do Festival, Joaquim Benite, numa homenagem do Festival a uma corrente de Teatro Popular que tão importante foi.
Mas, momento ímpar, o Festival logrou reunir neste final, no palco, duas referências do teatro português. Um veterano tão admirado como Mário Barradas (Ponta Delgada, 1931), fundador do Centro Cultural de Évora, antecessor do CENDREV, em 1975, e um jovem, já de créditos firmados no teatro europeu, Emmanuel Demarcy-Mota (Neuilly-sur-Seine, 1970), filho da actriz Teresa Mota. É por tudo isto que o espectáculo de encerramento acabou por constituir, perante o anfiteatro ao ar livre, em noite amena, a transbordar, com espectadores sentados nas escadas, um fecho condigno para mais um magnífico festival, fazendo jus à afirmação de um nome grande como Matthias Langhoff, “O Festival de Almada é o mais interessante e agradável da Europa”.
Teresa Gafeira e Paulo Matos, em Betia e Ruzante, foram magníficos, muito bem acompanhados por Ivo Alexandre (Menato) e José Martins (Soldado), na intriga jocosa, mas crítica, engendrada pelo autor. “ Na realidade, o que o Teatro de Ruzante mostra é muito mais a vitalidade e o instinto de sobrevivência do campesinato paduano, nas condições históricas objectivas da sua existência como classe oprimida, ou seja, por relação às classes que exercem essa opressão, do que quaisquer taras congénitas e eternas do ente camponês, em si mesmo risíveis e produtoras dum cómico espontâneo.” (Mário Barradas)
Muita pena temos de, por razões familiares, não termos podido acompanhar a degustação da vitela barrosã, grelhada à vista do público, que se seguiu na Esplanada do Festival, com artistas e espectadores presentes.
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TEATRO VISTO EM 2009 - IX - Carta aos Actores

“CARTA AOS ACTORES” e “PARA LOUIS DE FUNÈS”, de Valère Novarina, por Jorge Silva Melo, **** (4)

Penso que estas interpretações de Jorge Silva Melo, em dias diferentes, dos textos do dramaturgo francês, devem ter constituído dois dos momentos altos do Festival deste ano.
Elegia do Actor através de dois discursos torrenciais, apaixonados, de Novarina. “Imprecações, rebeldias, louvores, esconjurações”, segundo palavras do próprio actor (e encenador), na Revista Artistas Unidos, número 19.
Excessos, também. A palavra, em toda a sua amplitude, em jorros sobre o espectador, “amarrado” à sua cadeira pela força do discurso (mas houve quem abandonasse a sala…Porque não gostou?).
Não se concorda obviamente com tudo o que se ouve. Alguma coisa nos toca, porém. É a tentativa apaixonada de recolocar o actor no centro da obra teatral, tema que é caro a Jorge Silva Melo e que ele, uma vez mais exprime, no referido número da revista editada pelos Artistas Unidos, tal como nas duas interpretações brilhantes das palavras Novarina.
Novarina foi buscar um grande actor, mas desprezado por muitos por se ter dedicado à comédia popular (às vezes populista), que agrada ao grande público e se ter dedicado ao cinema, quase sempre de pouca qualidade. Como se aqui, neste país, alguém viesse, para defender o Actor, fazer o elogio de, por exemplo, Nicolau Breyner, um dos grandes actores da sua geração, que esteve no Teatro Moderno de Lisboa, nos anos 60, mas, tal como Louis de Funès, subtilmente desprezado por muitos, por aquilo que tem maioritariamente feito de popular ou, muitas vezes, populista.
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TEATRO VISTO EM 2009 - VIII - Deus Como Paciente

“DEUS COMO PACIENTE, ASSIM FALAVA ISIDORE DUCASSE”, de Isidore Ducasse (Conde de Lautréamont), encenação de Mathias Langhoff, (FRA), **** (4)

Isidore Ducasse (1844-1870), que usou o pseudónimo literário de Conde de Lautréamont, teve uma existência fugaz (faleceu aos 26 anos), mas que ainda deu tempo para escrever uma obra-prima da literatura universal, “Os Cantos de Maldoror”, a partir da qual o encenador de hoje, construiu o seu espectáculo, publicado entre nós pela editora, também ela de algum modo marginal, a “Fenda”.
Mathias Langhoff, nascido na Suiça de língua alemã, em 1941, fez parte do célebre “Berliner Ensemble” de Bertold Brecht, a partir de 1961, dirigindo-o entre 1992 e 1993. Mas também esteve no “Volksbühne”, e trabalha em França há mais de 25 anos.
“Os Cantos de Maldoror” de Isidore Ducasse, é uma obra sobre a abjecção do Homem. Um grito de raiva, pela negativa, contra a exploração de que milhões são vítimas, para gáudio de uns poucos e dos seus serventuários sem escrúpulos. O retrato que Ducasse, Conde de Lautréamont, traça do Homem e da sua odisseia é pouco lisonjeiro para a raça humana, se não se atentar que ele é, acima de tudo é um brado de ira contra a burguesia reinante (ou a aristocracia), e contra o poder da Igreja, ontem e hoje. Não esqueçamos que Isidore Ducasse morreu um ano antes da Comuna de Paris, esse acto revolucionário do Povo da cidade, ao tomar o poder contra tudo e contra todos, acabando três meses depois na terrível chacina dos seus melhores e dos que os apoiaram, homens, mulheres e crianças, que haviam sonhado com um mundo diferente, sem desigualdades, nem injustiças (18mar1871 a 27mai1871).
Langhoff, retoma o tema, conseguindo atingir por vezes um nível como o da obra que adaptou, recorrendo a meios múltiplos para dar ainda um maior grau demencial ao discurso de Ducasse – o palco, num cenário por vezes de um realismo atroz – a cena do cemitério, o cinema, e a projecção das imagens nas cortinas transparentes que envolvem o palco – também com imagens actuais, que Langhoff filmou, dos marginalizados, dos sem abrigo, da Cidade Luz, na mesma rua onde aliás viveu Ducasse no século XIX, ou a barbárie do século XXI, com as Torres Gémeas incendiadas (mas por quem? Ou com a colaboração de quem? Passo decisivo para escalada brutal do imperialismo contra países em zonas económica e militarmente estratégicas do nosso planeta, curiosamente ambos governados por políticos “fabricados” pelo Ocidente - os Talibã no Afeganistão, Saddam Hussein no Iraque, que haviam chegado ao poder da maneira mais sanguinária e brutal, chacinando os que se lhe opunham, causando milhares de mortos entre as forças progressistas, e sempre com o apoio norte-americano. Crimes contra a Humanidade, que os tribunais dos poderosos (Tribunal Europeu) não querem julgar, mas que todavia não prescreverão.)
Os gritos de raiva e desespero, de Ducasse e Langhoff, continuarão a ouvir-se e são por vezes quase insuportáveis (alguns espectadores não resistiram mesmo e abandonaram a sala…).
Uma palavra para a extraordinária prestação dos actores, em especial, André Wilms (Estrasburgo, 1947), actor de teatro e de cinema (principalmente para dois realizadores de quem gostamos também muito, o francês Claude Chabrol, e o finlandês Aki Kaurismaki) e encenador.
Gostaria de fechar com uma frase que li na crónica de Gisela Pissarra (DN), dita (ou escrita) por Mathias Langhoff: “vejo a provocação das lojas de luxo do Boulevard Raspail (Paris), com sapatos a mil euros, e tenho vontade de partir a montra”. Também eu!
A frase, fez-me lembrar o ex-ministro da Economia do governo de Sócrates, o tal Pinho, que o Berardo quer empregar no “seu” museu no CCB (mas que é pago por todos nós), depois da saída atabalhoada do Parlamento, que disse aos jornalistas que tinha ido à feira de calçado, não sei de onde, comprar sapatos italianos, esquecendo-se da lamentável situação dessa indústria no nosso país e dos milhares de desempregados que dela resultaram e que, teoricamente, o ex-ministro iria defender…
Uma última nota: há quem queira pôr em paralelo, para defender um e criticar o outro, os trabalhos de Luc Bondy (“As Criadas”) e de Langhoff (“Deus Como Paciente”). Como muito bem escreve Miguel-Pedro Quádrio, na folha da sessão, citando André Wilms, “Langhoff e Bondy são antípodas estéticos”, “ora os festivais servem para isso mesmo: cruzar abordagens diferentes.”
Embora, eu possa preferir o estilo de um deles, ou possa considerar mesmo que podem não atingir o nível estético de outros grandes espectáculos vistos em Almada em anos transactos, como por exemplo “Peer Gynt”, em 2008, não deixo de os considerar ambos excepcionais.
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TEATRO VISTO EM 2009 - VII - Zerlina

“ZERLINA”, de Hermann Broch, encenado por Robert Cantarella, para a companhia francesa LALA (Les Acteurs Librés Associes), **** (4)

Este também é um festival de actrizes! Chegou a vez de Thérèse Crémieux, uma magnífica Zerlina.
Não a Zerlina de D.João, de Mozart, aquela que o nosso José Saramago transformou numa das suas heroínas, criando, uma vez mais, o par mágico – um homem e uma mulher, que consubstancia parte da sua obra, par que se destaca, em geral como símbolo, da massa de gente revoltada contra a exploração e injustiças de que é vitima, mas gente que constitui o núcleo fundamental do seu magistral e nobelizado trabalho.
Esta Zerlina, é outra, a velha criada do pequeno texto do famoso escritor austríaco, Hermann Broch (Viena, 1886 – New Haven, 1951), autor de “Os Sonâmbulos” e de “A Morte de Virgílio”, que em 1938 teve que abandonar definitivamente o seu país natal, devido às perseguições nazis.
O encenador Robert Cantarella, grande nome do teatro europeu, adaptou-o, não sei se integralmente ou não, em espectáculo magnífico e encantatório. É conhecida a opinião sobre este texto, de Hannah Arendt, a autora de “Homens em Tempos Sombrios”, que considerava “Zerlina” de Broch, a mais bela história de amor que conhecia.
Esta encenação seduz irresistivelmente o espectador, muito por mérito da sua actriz. Que tem também uma dicção perfeita, que quase dispensava a legendagem, mesmo para um espectador esquecido das línguas como eu, embora prefira que ela exista sempre, para não me escaparem as nuances, às vezes fundamentais, do texto.
No final, perante a afirmação de quem quisesse saber o resto da história da criada Zerlina, esperasse pela terceira parte, alguns espectadores perguntavam em surdina, e ansiosamente, “Quando?”. E foi necessário organizar uma sessão extra (não para ver a terceira parte…), dada a afluência de público.
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TEATRO VISTO EM 2009 - VI - As Criadas

26º FESTIVAL DE TEATRO DE ALMADA

Já começou. E brilhantemente, com a encenação do suiço Luc Bondy, da famosa peça de Jean Genet, “As Criadas” (1947), para a reputada companhia alemã “Volksbühne” (Teatro do Povo), sedeada na Praça Rosa Luxemburgo, em Berlim, Alemanha. A peça foi estreada em Junho de 2008, no Festival de Viena. Gostaríamos de falar oportunamente sobre esta peça e sobre este espectáculo, que esgotou o magnífico auditório do Teatro Municipal de Almada, em duas sessões, e foi magistralmente interpretada por Edith Clever (Madame), excelentemente acompanhada pelas criadas e irmãs, Caroline Peters (Claire) e Sophie Rois (Solange). O tema é conhecido – as relações senhores-servos, a que o genial autor deu uma interpretação, muito pessoal.

Relembremos a propósito, que fomos dos felizardos que tiveram a sorte de não perder, em 1972, em Cascais, a famosa encenação do argentino Victor Garcia (Tucumán, 1934 – Paris, 1982), então em Portugal, desta mesma peça de Jean Genet (Paris, 1910 – 1986), com tradução de Luiza Neto Jorge para a companhia do “Teatro Experimental de Cascais”, com Eunice Muñoz, Glicínia Quartin e Lourdes Norberto, três grandes actrizes, num espectáculo memorável, que ficou para a história do teatro em Portugal (“a única opção: ir ver, ter a obrigatoriedade de ver, pois dificilmente se voltará a realizar entre nós um espectáculo deste nível”, Orlando Neves, jornal “República”, na crítica de teatro, intitulada “Ritual da Vertigem em Cascais”, 1972).

E agora segue-se, para mim, cuja capacidade física e intelectual de ver muito em pouco tempo é diminuta (e são salvo erro 27 representações diferentes em duas semanas!), para já, no imediato, Valère Novarina, também nascido na Suiça, nos arredores de Genève, em 1947, com o seu “abismo torrencial (..) frenesi verbal (..) cólera e paixão” (texto do programa do FTA), que “amarra” o espectador à cadeira, começando pela sua “Carta aos Actores” (1979) e passando depois a “Pour Louis de Funès” (1986), lidos (e interpretados) por Jorge Silva Melo!
Depois, se conseguir, aceitar mais meia dúzia daquelas propostas que são irrecusáveis para quem goste de teatro e cultura, isto é, para quem goste de conhecer o que os outros têm para nos dizer de realmente superior, sobre a vida e o que nos rodeia.
A propósito, o actual Ministro da Cultura, Pinto Ribeiro, estava numa sessão de “As Criadas” e reparei, porque ele estava algumas filas abaixo, que foi um dos primeiros a levantar-se no final do espectáculo, para aplaudir de pé as maravilhosas actrizes da peça de Genet. Já sabia que ele era excepção neste governo, pela sua cultura, mas pouco poderá provavelmente fazer pela Cultura deste país, em face do orçamento que lhe concedem. Porque os apoios estatais a um festival como este, internacionalmente reconhecido pela sua enorme qualidade, permanecem incrivelmente escassos (e não preciso de dizer para quem vão os muitos milhões, pois não?!).

TEATRO VISTO EM 2009 - V - O Doido e a Morte

“O DOIDO E A MORTE” (1923), de Raul Brandão, encenações de Joaquim Benite, para a representação da peça pela CTA, e para a ópera de Alexandre Delgado. **** (4)

Mesmo palco, mesmo cenário (magnífico, de Jean-Guy Lecat, para o enorme e belíssimo palco do TMA), um actor comum – Manuel Martins, em Nunes, o secretário do Governador Civil, para as duas representações – teatro e ópera - do famoso texto de Raul Brandão (1867-1930), ideia brilhante de Joaquim Benite e da CTA/TMA. Ambas muito bem conseguidas, com interpretações magníficas.
Quanto à peça, considerada por muitos como uma das grandes obras-primas do teatro português, apesar da sua curta duração, continua a surpreender-nos pela sua modernidade, pela sua crítica, por vezes mordaz, mas também pelo riso que provoca, sobre a sociedade em que vivemos e os seus actores principais: ”Confesso que menti… menti sempre que pude. Toda a minha vida foi uma mentira pegada.” (Governador Civil, perante a hipótese de morrer se o Senhor Milhões chegasse a cumprir o prometido, premindo o detonador da bomba de elevada potência, e perante da fuga de familiares (esposa) e todos os subordinados, incluindo o fiel Nunes), e sobre as profundas desigualdades dessa sociedade, há um século, ou hoje…
Em 1926, quando estreou no Teatro Politeama, em Lisboa, em benefício dos vendedores de jornais, quiseram suprimir-lhe a frase final “Ai o grande filho da puta!”, para não ferir “ouvidos delicados”, provavelmente dos beneméritos presentes, e fizeram descer o pano antes que o actor tivesse tempo de a pronunciar… No entanto, o sentido da obscenidade é ambíguo já que “o filho da puta” (O Doido), está afinal bem mais perto de nós, dos nossos anseios e sonhos, do que quem pronuncia a frase (O Governador).
Eram os tempos agitados dos finais da Primeira República, em que a extrema-direita aproveitava as debilidades do regime, e o descontentamento popular, para criar as condições que lhe permitissem o golpe definitivo contra o regime democrático, já muito periclitante, depois da primeira tentativa, apoiada pelas forças mais reaccionárias, e protagonizada por Sidónio Pais (1917-18). O golpe aconteceu nesse mesmo ano (1926), em 28 de Maio, dando origem ao estado fascista, consolidado com a aprovação da Constituição de 1933, já com Oliveira Salazar no poder.
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TEATRO VISTO EM 2009 - IV - O Vendedor de Elogios

“O VENDEDOR DE ELOGIOS”, de Michel Simonot, que também encenou para a CT de Almada. **** (4)

Considerado um dos nomes de topo da dramaturgia francesa actual, Michel Simonot, encena brilhantemente o seu surpreendente texto (“subtil jogo de caixas chinesas”), com um desenlace algo inesperado para os espectadores, mas que faz todo o sentido. (“Le Faiseur d’Eloges”, de 1991)
Através do seu personagem, Leslie, que se encarrega de escrever elogios fúnebres (e às vezes de os ler), não se importando de alterar a verdade, dando aos mortos, uma grandeza que em geral eles não possuíam, Simonot fala afinal também da actual tentativa por alguns de reescrita da história, de branqueamentos dos responsáveis por holocaustos e políticas anti-sociais no século XX.
Os actores – um consagrado, Alberto Quaresma, e dois jovens, Bernardo de Almeida e Andresa Soares, são magníficos.
Reparei que Simonot estava presente na representação a que assisti e que aplaudiu no final entusiasticamente os seus intérpretes!
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TEATRO VISTO EM 2009 - III - Uma Longa Jornada para a Noite

“UMA LONGA JORNADA PARA A NOITE”, de Eugene O’Neill, encenação de Rogério de Carvalho, para a CTA, **** (4)

Um dos grandes textos fundamentais do teatro universal, magnificamente encenado e, principalmente desempenhado, pela CTA, com especial destaque para a excepcional representação de Teresa Gafeira, na Mãe, Mary, mas muito bem acompanhada nos principais papeis, pelo marido James Tirone (Marques de Arede) e os filhos Jammie (Luís Ramos) e Edmund (Elmano Sancho). Laura Barbeiro tem uma curta intervenção excelente.

Eugene O’Neill (Nova Iorque, 1888 – 1953), prémio Nobel da literatura 1936, só autorizou a representação desta obra (de 1941) após a sua morte, dado o seu carácter bastante autobiográfico, da sua família, especialmente os pais. Foi estreada em 1956 e subiu à cena em Portugal em 1958, no Teatro Experimental do Porto, encenada por António Pedro. Mais tarde viria a ser representada salvo erro mais duas vezes no nosso país (ver exposição no TMA).

Trata-se de uma tragédia realista, de longa duração – a acção passa-se ao longo de um único dia, mas com ressonâncias universais, sobre as esperanças, muitas vezes falhadas, de realização pessoal e as consequentes frustrações inerentes à maioria dos seres humanos inteligentes, também sobre as dificuldades do relacionamento, mesmo no seio de uma família aparentemente unida, embora cheia de problemas, a cuja irreversível “queda nos abismos da noite” assistimos, apesar de todos os seus esforços para resistir.
Os excessos de bebida e de droga (esta ainda que involuntária neste caso, resultante de um tratamento médico), em que tantos se refugiam, na tentativa de fugiram por momentos aos problemas que os afligem, tendem, quando os limites são ultrapassados, a provocar o extravasar de sentimentos, iras, frustrações, perdido que foi o domínio sobre nós próprios. E então “dizem-se verdades”, que a maior parte das vezes não passam de recalcamentos e invejas. O que acontece aos Tirone aconteceria maior parte de nós, se as situações fossem semelhantes. A natureza humana é feita também destas contradições, embora o essencial, aquilo que confere grandeza aos seres humanos, tem muito a ver com o seu comportamento social e a maneira como se olha, entende e participa na sociedade de que fazemos parte.
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TEATRO VISTO EM 2009 - II - O Amansar da Fera

“O AMANSAR DA FERA” (The Taming of the Shrew), de William Shakespeare, encenação de Armando Caldas, para o Intervalo Grupo de Teatro, no Auditório Municipal Lourdes Norberto, em Linda-a-Velha, **** (4)

A não perder esta excelente representação de uma das muito famosas comédias do Mestre (Stratford-upon-Avon, 1564-1616).
Armando Caldas utilizou a versão de Dennis Mathieu, ligeiramente simplificada. Também as cenas do prólogo foram suprimidas, ficando apenas a representação da peça dentro da peça, e foram incluídas canções originais.
Mas todo o espírito das comédias shakespeareanas se mantém nesta encenação, e estes actores souberam dar-lhe corpo e voz, com muita homogeneidade e talento.
A “comédia humana”, que o autor soube como poucos pôr em cena, deixando sempre espaço para a meditação mais profunda do espectador, num espectáculo que se vê com imenso prazer.
“Shakespeare tinha um incrível conhecimento da natureza humana, explorado nos seus personagens. Ilustrou e desenvolveu as motivações, os defeitos e o comportamento humano. Lendo as suas peças, vemos elementos da nossa própria personalidade a ser retratados.” (do programa do Intervalo Grupo de Teatro).
Razão principal, para além obviamente da genial construção dramática, da sua permanente actualidade.
Em “O Amansar da Fera”, entre muitas outras coisas que sempre encontramos em Shakespeare, é a “guerra dos sexos” que está em causa.
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Para os cinéfilos relembrar que, entre mais de uma dúzia de adaptações de “O Amansar da Fera” ao cinema a partir de Griffith, Elizabeth Taylor e Richard Burton, representaram esta peça, num filme de Franco Zefirelli (1967), aliás sem nenhuns méritos especiais por parte do realizador, mas beneficiando muito da excelência e carisma dos actores.

TEATRO VISTO EM 2009 - I - Acamarrados

“ACAMARRADOS” (Bedbound), de Enda Walsh, António Simão / Rita Lopes Alves, interpretação de António Simão e Carla Galvão, para os Artistas Unidos, visto no TMA, ***** (5)

Mais um espectáculo excepcional visto na sala experimental do TMA. Fico na dúvida se esta sala não terá de facto qualquer coisa de muito especial, já que, pelas condições sonoras e de espaço, tem dado origem a produções brilhantes, e cito outras três que me ocorrem imediatamente – “A Mata” (no 23º FTA), “Canções de Brecht” (no 25ºFTA) e “O Marinheiro”, completamente diferentes e no entanto perfeitamente adaptadas àquele espaço, parecendo ser difícil fazer melhor noutro local, desde o profundamente intimista – Fernando Pessoa/Alain Ollivier – ao espectacular – Jesper Halle/Franzisca Aarflot!

Agora imaginem um cubículo onde apenas cabe uma cama e dois personagens – um homem, que se transformou num psicopata e a filha, que a poliomielite deixou deficiente motora.
Durante mais de uma hora, nesse espaço restrito e claustrofóbico, eles (grandes interpretações, cada uma no seu registo) vão desbobinar perante os espectadores os seus traumas e angústias, as suas tragédias pessoais.
Li um crítico que comparou o efeito da peça a “um atropelamento”, súbito e brutal. Diria mais - uma saraivada de socos, de que se sai dificilmente incólume. Tudo num ritmo que não abranda. Só recomendável para quem aguente o realismo mais cru e violento. E mesmo, os mais marcados pela vida, por este ou por aquele aspecto, penso que não deixarão de se impressionar com esta terrível imitação da vida.
A representação concita-nos para os nossos receios, para os nossos temores interiores, para as nossas angústias, perante um mundo pleno de infelicidades e frustrações que nos rodeia, fruto principalmente de uma sociedade injusta e desigual.
Trata-se de uma peça do jovem dramaturgo irlandês Enda Walsh (Dublin, 1967), já representado no nosso país, mas cujas peças ainda não víramos. Esta peça foi dirigida, aquando da sua estreia absoluta, pelo autor.
Relembremos que Enda Walsh é co-autor do argumento, e autor dos diálogos, de “Hunger” (Fome), a brilhante obra de cinema de Steve McQueen, sobre os militantes do IRA em greve de fome, durante o governo da Dama de Ferro (Margaret Thatcher). E relembre-se essa cena antológica, grande momento do filme, do diálogo, entre o militante pela independência da Irlanda (Bobby Sands) e o padre Moran, num longo plano de dezassete minutos, em que ouvimos as palavras escritas por Enda Walsh para os dois personagens.
Voltando a “Acamarrados”, pela sua enorme tensão dramática, conseguida naquele extremamente limitado espaço e apenas com dois actores, pelo seu realismo cru, ele é, em minha opinião, um dos grandes espectáculos de teatro do ano findo.
***** (5)